segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Algumas ideias para uma campanha política

Fui militante do Partido Socialista desde 1975 a  2006.
Na campanha para as legislativas de 2005 estive especialmente envolvido na tentativa de construir uma alternativa nos círculos da emigração.
Um maiores entusiastas desssa tentativa de mudança foi o saudoso Joaquim Magalhães, assessor cultural da Casa de Portugal de São Paulo, a quem se deveu a organização do único congresso Federativo do PS no Brasil.
Na época, minutei esta carta, que foi replicada por várias estruturas e que aqui publico, por continuarem a ser de grande atualidade as questões suscitadas:
(...)

Tenho uma profunda admiração e respeito pelos emigrantes portugueses, tanto pelos de outrora como pelos que agora são obrigados a procurar países estrangeiros para ganharem a sua vida.
Atribuo a maior importância às estruturas do Partido na emigração e é meu desejo dinamizá-las, de forma a que possamos responder mais adequadamente à defesa de todos os portugueses residentes no estrangeiro.
 Por isso me parece da maior importância a vossa participação nos trabalhos do Congresso do Partido Socialista.
Deixo-te algumas linhas da orientação que defendo em matéria de política para as Comunidades Portuguesas no exterior e peço que dês o teu melhor contributo para o seu desenvolvimento.
Os portugueses estão espalhados por todo o mundo e constituem a base de uma rede natural de cultura, de interesses e de negócios.
O Estado deve, no quadro da diplomacia, promover a integração destes cidadãos nas comunidades de acolhimento. Mas deve, ao mesmo tempo, permitir e incentivar a manutenção das raízes da cidadania portuguesa, por via da canalização de uma relação de pertinência dos lusodescendentes à comunidade portuguesa.
A difusão da nossa cultura e da nossa presença como povo universalista no Mundo passa, antes de tudo, pela conciliação entre aquela integração e esta pertinência. Obriga isto a que se compreenda, antes de tudo, que deveremos ser radicais na compreensão de que passaram os tempos das colonizações culturais de e de que a modernidade passa pela convivência cultural e política dos povos que se encontrem num mesmo espaço.
A condição de português não passa por residir em Portugal, como sustentam alguns, defensores de uma política de eliminação gradual das comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo.
Defendemos a valorização e a integração dos nossos concidadãos nos países de acolhimento, para cujo desenvolvimento contribuem, mas somos claros na defesa inequívoca de que devem continuar a ser portugueses todos os que emigraram e mantém a vontade de continuar portugueses, transmitindo aos seus filhos e aos seus cônjuges  essa qualidade.
Somos, por isso, contra todas as políticas adequadas ao afastamento dos portugueses e dos seus descendentes da comunidade portuguesa, numa lógica que é, simultaneamente, de integração forçada e de afastamento.
 Por isso defendemos, no plano da nacionalidade:

a)      A manutenção do acesso à nacionalidade portuguesa originária por parte dos filhos de cidadãos portugueses nascidos no estrangeiro;

b)      A garantia de acesso à nacionalidade portuguesa por parte dos cônjuges de cidadãos portugueses, com eles casados há mais de três anos,  desde que façam prova de que integram uma família e de que não usam o casamento como expediente oportunístico para acesso à nacionalidade;

c)      O acesso à nacionalidade portuguesa originária por parte dos filhos de cidadãos portugueses falecidos, a quem esse direito foi recusado porque, forçados pela contingência, se viram obrigados a adquirir uma nacionalidade estrangeira.
Defendemos que o Estado deve garantir, de forma inequívoca,  aos portugueses residentes no estrangeiro, nomeadamente, os seguintes direitos:

a)      O direito de acesso directo às repartições portuguesas, por si ou por mandatários, para tratarem de todas as questões do seu interesse, sem serem forçados a uma necessária intermediação consular;

b)      O reforço da rede consular e a abertura permanente de todas as repartições consulares ao público;

c)      A aplicação nos consulados das leis reguladoras do funcionamento dos serviços públicos, nomeadamente as que consignam direitos aos utentes, de forma a evitar que os nossos compatriotas continuem a ser vexados e ofendidos em muitos consulados;

d)     A dotação em todos os consulados de um conservador/notário com a formação que têm os conservadores e notários em Portugal.

e)      A garantia de acesso ao ensino da língua portuguesa, por via de acordos com os demais estados ou da revitalização da rede escolar;

f)       O acesso à cultura, por via da instalação de bibliotecas e da realização de eventos culturais, em parceria do Estado com as instituições da sociedade civil.

A presença portuguesa no Mundo não passa apenas nem principalmente pela internacionalização das empresas portuguesas; passa pela vitalidade das comunidades portuguesas da diáspora e pelo incremento das trocas culturais que estas possam fazer com as comunidades locais.
 Por isso entendemos que devemos apoiar as iniciativas que conduzam a uma maior abertura e a uma maior inserção da vida associativa dos portugueses no estrangeiro na vida social dos países de acolhimento.
Não apoiamos uma política isolacionista que, a pretexto de um antiquado portuguesismo, faça das nossas associações no estrangeiro entidades que vivem à margem das comunidades em que devem inserir-se.
Somos a favor da abertura, como forma de difusão da nossa vivência e da nossa cultura junto das comunidades locais e do incremento das trocas culturais entre as nossas comunidades e as dos países de acolhimento.
Não esquecemos o importante contributo que os emigrantes portugueses deram, sobretudo no  post-25 de Abril ao desenvolvimento de Portugal. Ainda hoje as remessas dos emigrantes representam uma valor inestimável para que seja menor o desequilíbrio das nossas contas externas.
Por isso mesmo entendemos que é da maior justiça garantir que esses nossos concidadãos, que nenhum custo têm para o país, possam beneficiar de um conjunto de benefícios fiscais que já tiveram e que perderam nos últimos anos.
Temos ideias, temos políticas e queremos mudar Portugal.

Os filhos dos descendentes diretos de portugueses que morreram antes de pedir a atribuição da nacionalidade portuguesa continuam excluidos do acesso às nacionalidade originária.
Os cônjuges estrangeiros dos nacionais portugueses são vitimas de discriminação cultural de marginalização xenófoba quando requerer que lhes seja concedida a nacionalidade portuguesa.
Muitas repartições consulares são, essencialmente, centros de pequenos poderes, que não respeitam minimamente os padrões de serviço público exigidos pelas leis do país.

Da falta de assistência jurídica aos portugueses no estrangeiro

O texto que reproduzo foi escrito em 2006.
O desgraçado do eletricista português que o Estado abandonou nas prisões de Oman e que ajudamos a libertar continua a aguardar uma decisão judicial.
Depois da queda da política o coice do mau funcionamento dos tribunais.
E tudo o mais é folclore...


DA DENEGAÇÃO DE PROTECÇÃO JURÍDICA

AOS PORTUGUESES PRESOS NO ESTRANGEIRO

 


O caso do cidadão português preso no Sultanato de Omã teve o mérito de clarificar uma questão relativamente à qual o Ministério dos Negócios Estrangeiros mantém, há alguns anos, uma posição ambígua: a de saber se os portugueses que precisem se apoio jurídico no estrangeiro têm ou não o direito de exigir que o Estado lhe preste esse apoio.

            Desta vez, a resposta foi peremptória: o Estado não contrata advogados para prestar assistência aos cidadãos portugueses presos no estrangeiro nem se dispõe a pagar ou a garantir o pagamento dos seus honorários, na hipótese de os mesmos serem contratados pelos próprios.

            A posição do MNE é radical, peremptória e não admite excepções, tudo no pressuposto de que o Estado não está obrigado a uma tal assistência aos seus cidadãos que dela careçam no estrangeiro.

            À primeira vista trata-se, apenas de uma atitude chocante, pois que é da natureza das coisas que as dificuldades de um qualquer cidadão são muito maiores fora da sua terra do que nela e porque está generalizada na sociedade a ideia (agora absolutamente falseada) de que um português no estrangeiro goza da protecção do seu próprio Estado como dos demais vinte e quatro da União.

            Mas o essencial da questão está em saber se a atitude é legal ou ilegal.

            Adianto, desde já, que em minha opinião tal postura é absolutamente ilegal.

           

            Dispõe o artº 14º da Constituição da República (CRP) que «os cidadãos portugueses que se encontrem ou residam no estrangeiro gozam da protecção do Estado para o exercício dos direitos».

            O artº 20º estabelece, de forma clara e inequívoca que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos» (nº 1) e que «todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.» (nº 2).

            Estamos perante garantias instituídas no quadro dos direitos fundamentais, sendo estes normativos de aplicação imediata e vinculadores de todas as entidades públicas e privadas.

            A norma do artº 20º é, de outro lado, um decalque de normas de conteúdo idêntico constantes nas grandes cartas de direitos a que Portugal está vinculado, nomeadamente a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

            A DUDH estabelece no seu artº 11º que «toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.».

            O artº 6º, 3 al. c) da CEDH determina que entre os direitos mínimos de qualquer acusado o de se «defender  a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso».

            É certo que as normas quadro da União Europeia no que se refere à assistência consular em matéria de apoio jurídico são extremamente claras no sentido de que um Estado só é obrigado a pagar despesas inerentes à assistência a cidadão de outro Estado, se o respectivo Ministério dos Negócios Estrangeiros o autorizar.[1]

            Esta instrução não pode, porém, servir para justificar a recusa de protecção do Estado aos seus nacionais, garantida pela Constituição e pela lei ordinária.

            O Regulamento Consular, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 381/97 de 30 de Dezembro, afirmando , logo no seu preâmbulo uma vocação de melhor defesa dos portugueses no estrangeiro, assume, de forma muito clara obrigação de protecção constitucionalmente garantida nos termos atrás referidos.

            Logo no artº 2º estabelece esse diploma como constituindo atribuições consulares «a protecção dos direitos e dos legítimos interesses das pessoas singulares e colectivas portuguesas». O artº 40º, sob a epígrafe de protecção consular, determina que «os postos e as secções consulares prestam a assistência necessária e possível às pessoas singulares e colectivas portuguesas no estrangeiro, nos termos das leis nacionais e estrangeiras em vigor».

            A alínea a) dessa disposição é claríssima, ao referir como ponto primeiro da protecção consular a «prestação de socorros a portugueses em dificuldade, como nos casos de prisão ou de detenção, prestando-lhes assistência, visitando-os, informando-os dos seus direitos e sustentando-os nas suas pretensões justas».

            A assistência necessária a um preso é, antes de tudo, a assistência jurídica por advogado e essa só é possível em países estrangeiros por via da contratação de advogados que possam exercer nesses países.

            A lei condiciona a assistência à necessidade e à possibilidade, sendo certo que a necessidade de assistência de advogado em situações de prisão é inquestionável e que a possibilidade é, normalmente, comum.

            Para além da disposição da alínea a) do referido artº 40º, a alínea g) obriga o Estado a prestar «apoio social, jurídico ou administrativo possível e adequado, de modo a garantir a defesa e a protecção dos direitos dos portugueses». Também aqui se condiciona o socorro à possibilidade e à adequação, dependendo uma da existência de meios disponíveis e outra de a escolha dos meios ser a mais adequada à protecção dos referidos direitos.

            Ora, na generalidade das situações de carência de assistência jurídica é possível contratar um advogado e esse é o meio adequado para prestar assistência a um cidadão que seja preso.

            Esta obrigação do Estado não é uma obrigação sem contrapartida.

            Estabelece o artº 41º,1 do mesmo Regulamento Consular o seguinte: «Os portugueses socorridos no estrangeiro pelos postos e pelas secções consulares que tiverem meios para restituir ao Estado as quantias com eles gastas em socorros deverão assumir, em declaração escrita para o efeito, o compromisso do respectivo reembolso».

            O número 3 da mesma disposição confere a essa declaração a força de título executivo, que permite ao Estado pagar-se, na hipótese de o socorrido ter bens, por via da execução do seu património.

            Consideramos que o Estado fica desonerado da obrigação de prestar a assistência adequada aos cidadãos portugueses presos no estrangeiro se os mesmos se recusarem a assinar a compromisso atrás referido. Mas parece-nos inequívoco, à luz das citadas disposições legais, que a omissão de auxílio, nomeadamente no quadro de inequívoca necessidade de apoio jurídico, é absolutamente ilegal e constitui o Estado e os responsáveis pela recusa de socorro na obrigação de indemnizar.

            O caso do português preso no Sultanato de Omã é exemplar.

            Trata-se de um cidadão a quem, em primeiro lugar, foi negado pelo Estado português o direito à informação sobre a pendência de um mandado de captura internacional, quando embarcou para a Arábia Saudita.

            As autoridades portuguesas entregaram-no, deliberadamente, a um terceiro Estado quando deveriam ter cumprido o mandado, dando-lhe a oportunidade de se defender em Portugal e de, por via da prova produzida nos tribunais portugueses, esclarecer o imbrógio omanita, em termos que conduzissem à revisão da sentença ali proferida sem que o cidadão tivesse que suportar a prisão para o esclarecimento de tal imbróglio.

            Em segundo lugar, foi-lhe negada assistência jurídica na Arábia Saudita, onde, ao abrigo dos dispositivos processuais locais  reguladores da cooperação judiciária internacional, teria sido possível evitar a extradição e questionar a decisão omanita por via de produção de prova no processo de extradição.

            Em terceiro lugar, foi-lhe negada assistência jurídica no Sultanato de Omã, onde, se não for assistido por um advogado e não adoptar os procedimentos judiciais adequados à produção de prova nos prazos processuais adequados, verá, inevitavelmente confirmada a pena que lhe foi aplicada, quando as próprias autoridades portuguesas parecem convencidas de que estamos, de facto perante um equívoco.

            E tudo isto ocorre quando há conhecimento de que este cidadão, não tendo dinheiro, até tem património suficiente para garantir os custos do socorro.

            Se fosse pessoa destituída de posses, nem por isso estava o Estado desobrigado de lhe dar protecção para o exercício dos seus direitos, como é imposto pelo artº 14º da Constituição.

            Entendimento diverso, quando temos em Portugal uma lei de apoio judiciário que considera assenta o que tem de mais essencial no patrocínio por advogado em processo penal, conduzir-nos-ia a uma violação brutal do princípio da igualdade, constitucionalmente garantido.

           

 

Miguel Reis


 

 

 

           

 



[1] DECISÃO DOS REPRESENTANTES DOS GOVERNOS DOS ESTADOS-MEMBROS, REUNIDOS NO CONSELHO de 19 de Dezembro de 1995 relativa à protecção dos cidadãos da União Europeia pelas representações diplomáticas e consulares (95/553/CE)