segunda-feira, 30 de julho de 2012

Evitar que o Brasil se transforme num cemitério de empresas portuguesas


O Brasil é um país fantástico, que tem funcionado, no imaginário português, como uma espécie de “seguro de vida” para Portugal.
O relacionamento entre Portugal e o Brasil – pesem embora alguns momentos de glória nos últimos tempos – sempre foi marcado pela imbecilidade portuguesa, desde que daqui saíu D. Pedro I, o IV dos portugueses.
Contam-se anedotas tão fantásticas quão carinhosas dos portugueses que lhe dão precisamente esse tónus – o da imbecilidade – sem que isso se possa haver como insultuoso ou ofensivo.
A sorte da maior parte dos políticos portugueses está no facto de os correspondentes de imprensa não reproduzirem na imprensa de Portugal o que eles afirmam  no Brasil e de a imprensa portuguesa local ser marcada por uma elegância e um respeito que não permite tomar nota (nem sequer conhecer) as contradições.
Os portugueses e luso-descendentes até à 3ª geração deverão ser uns 21 milhões no Brasil, com uma diferença de entre 700 mil e  1 milhão a menos, por parte dos italianos.
Estes  - os italianos – dizem que são 31 milhões no Brasil e 15 milhões na Argentina.
As autoridades  de Portugal fazem variar o número entre 500 mil e 700, como se tivessem vergonha da imensa comunidade portuguesa neste grande país.
Diz a Embaixada de Portugal em Brasília:
«Apresentando um total de 213.203 indivíduos, incluindo os bi-nacionais, no censo demográfico brasileiro de 2000 (amostra), e calculada entre 500.000 e 700.000 pelos Serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros português, em coerência, aliás, com o total das inscrições consulares registadas, o que importa reter, para além da sua expressão numérica, é que esta é uma das comunidades portuguesas mais relevantes.»
Fábio Porta deputado brasileiro ao parlamento italiano, escreve o seguinte, a propósito da comunidade italiana:
«Não temos petróleo, energia atômica, dimensões enormes como têm China, Rússia, Índia. Temos esse patrimônio que ninguém tem: 31 milhões de italianos no Brasil, 15 milhões na Argentina. E essa riqueza está um tanto adormecida por falta de atenção e entendimento político do potencial destes “países” que vivem fora da Itália. »
Ora, entre 1881 e 2010 emigraram para o Brasil 1.514.057 portugueses e 1.507.695 italianos. Mesmo sem contar os portugueses que vieram para o Brasil desde a descoberta até 1881, as projeções das familias tipo e do número de emigrantes apontam para que a comunidade portuguesa, considerada como a dos portugueses e luso-descendentes até à 3ª geração (netos), será maior que a italiana e se fixará em torno daqueles números.
Quando falo disto parece que estou a fazer um sacrilégio, apesar de ser consensual que os italianos não são os tais 31 milhões de que fala Fábio Porta.
Os portugueses apoucam-se e deixam que os seus governantes os apouquem e continuem com essa afirmação de que são 5 milhões fora de Portugal, Brasil incluído, afirmação que tem mais de 20 anos e que é uma confabulação sem nenhum fundamento sério.
Tanto o Brasil como Portugal aceitam a dupla nacionalidade e desconsideram a nacionalidade estrangeira dos que também são seus nacionais, quando residentes nos respetivos territórios, não contando esses “estrangeiros” como tal, porque são nacionais.
É, porém, lastimável que o que é apenas uma verdade estatística tenha servido para satisfazer a tradicional preguiça das chancelarias, desvalorizando-se os brasileiros que, no Brasil, são também portugueses e os portugueses que, em Portugal, são também brasileiros.
Com essa falta de visão – que é luso-brasileira – se anulam boa parte dos efeitos mais salutares do regime da plurinacionalidade.
De setembro de 2012  a junho de 2013 vamos viver o ano de Portugal no Brasil e do Brasil em Portugal.
 A propaganda oficial de Portugal tem sido marcada pela crise financeira e pela afirmação da intenção de aumentar os investimentos portugueses no Brasil, como se o país estivesse em condições de fomentar investimentos fora das suas fronteiras.
Os políticos portugueses, que vêm ao Brasil e se instalam, como nababos em hotéis com preços proibitivos, frequentando restaurantes cujos preços não encontram comparação em Lisboa, só dão estes conselhos porque não pagam as contas.
Os preços no Brasil atingiram níveis proibitivos para as pequenas empresas de qualquer dos paises da União Europeia, a não ser que elas disponham (o que é raro) de avultados stocks de capital e estejam vocacionadas para o proteger num país muito atrativo em termos financeiros. Porém, se tiverem de recorrer ao crédito, precisam, para além de histórico, de pagar taxas que são elevadíssimas.
Os últimos números relativos ao investimento estrangeiro dão conta de que, no primeiro semestre, Portugal, um país em que o crédito secou, investiu mais de 300 milhões de euros no Brasil, enquanto o Brasil, que está a nadar em dinheiro, investiu apenas 60 milhões de euros em Portugal.
Poderemos estar a assistir ao uso de Portugal como veiculo para o investimento no Brasil por parte de outros países, nomeadamente da China, que, como é sabido, tem um acordo cambial com o Brasil, transacionando em real e yuan, desde 2009. Aliás, em julho de 2012, já há 91 paises (contra 65 de há um ano) a processar as transações com a China em yuan.
O Brasil está sobre-aquecido, em consequência da crise internacional e do facto de ter sido transformado numa placa giratória de negócios financeiros com os Estados Unidos e com a China, como que se tivesse assumido a função de substituir os asiáticos no negócio da dívida americana, perspetivando-se que substitua os chineses na posição de maior credor, a breve prazo.
Entre 2008 e o fim do primeiro trimestre de 2012 o investimento chinês na Europa cresceu sete vezes, atingindo valores astronómicos. No Brasil, cresceu de forma exponencial desde 2010, inviabilizando uma boa parte da indústria brasileira e contribuindo para que o Brasil assuma, cada vez mais, uma estrutura de tipo colonial, exportadora de matérias primas e com a industria, sobretudo a que existe com vocação exportadora, condenada à falência.
Tanto no Brasil como na Europa e nos Estados Unidos há cada vez mais indícios da existência de  um conluio dos governos, do sistema financeiro e dos dirigentes do Partido Comunista da China, no sentido de substituir os pagamentos dos produtos importados da R.P.C. por títulos de dívida. Ou seja: os chineses são tão amigos dos ocidentais que lhes fornecem tudo – desde os equipamentos mais sofisticados até às cuecas de griffe – sem nada receber, ou melhor, recebendo títulos de divida.
Depois de se ter transformado no maior credor dos Estados Unidos – o que serve para provar que a aversão dos americanos ao comunismo é uma estrondosa mentira -  a República Popular da China, que é o único país comunista vitorioso, prepara-se para se transformar no principal credor dos países da União Europeia e do Brasil, após ter assumido posições especialmente relevantes em Angola e Moçambique.
Como pode ler-se num texto da Embaixada da China em Brasília, “para as empresas chinesas, o mercado brasileiro parece um bolo gostoso, que, no entanto, não é fácil de saborear.”
Eles têm o problema da língua; mas esse será, ao menos em parte, resolvido com a ajuda de Portugal, envolvendo entidades e recursos públicos. Ninguém nos ajuda a aprender mandarim, mas o nosso país, que está falido, como ainda recentemente reconheceu a ministra da Justiça, esbanja recursos a ensinar aos chineses o que não ensina aos próprios portugueses.
Os chineses já anunciaram a sua intenção de entrar no negócio da construição civil no Brasil, começando por instalar as próprias fabricas de equipamentos. Antes de entrar, a sério, no mercado preparam o terreno, com recurso a órgãos  de comunicação prestigiados.
É com este pano de fundo que ouvimos os apelos às pequenas e médias empresas portuguesas para que invistam no Brasil.
Os tempos não são propícios para uma boa parte dos investimentos, sobretudo na indústria e, especialmente, na indústria da construção civil.
Em primeiro lugar, porque o mercado imobiliário está sobreaquecido e não é seguro que  não assistamos, a muito curto prazo, a uma crise semelhante à que se vive atualmente no sul da Europa.
Em segundo lugar, porque a flecha do aumento do custo de vida disparou de forma vertiginosa, começando a ameaçar o equilibrio social, por via da inacessibilidade de muitos cidadãos da classes mais humildes a bens essenciais, como o arroz ou o feijão, o que se vem traduzindo num recrudescimento da violência.
Em terceiro lugar, porque o custo do dinheiro (e da dívida pública, que este ano se deve fixar em cerca de 2 triliões de reais) é brutalmente mais alto do que nos Estados Unidos ou na Europa. As taxas de juros mensais nos financiamentos dos particulares e da empresas são desproporcionadamente altas, por comparação com o que as nossas empresas estão habituadas a pagar.
Em quarto lugar,  porque o Brasil é um país muito burocratizado, muito dificil e com um sistema jurídico muito diferente do que temos em Portugal.
Todos os dias vemos anúncios de vendedores de ilusões, aliciando empresários portugueses para projetos de investimento que não têm, quase por regra,  a mínima viabilidade.
As ofertas são, geralmente, de coisas rápidas, como se os trouxessem a um feira de pechinchas, de pegar ou largar.
Do mal o menos quando o desastre pára na conta dos consultores, não se perdendo tudo, porque o Brasil é um país que vale a pena ser visitado.
Há hoje um número elevado de empresas portuguesas, em estado de insolvência, porque se tentaram salvar no Brasil, envolvendo, de forma imprudente, os recursos de que dispunham.
Essas agonizam em Portugal, enquanto os seus filhos, salvas algumas honrosas exceções, ou morreram nas praias  brasileiras ou abortaram mesmo antes da nascença.
Claro que nem tudo é mau; e que há grandes oportunidades de negócios, acessíveis a empresas portuguesas, no Brasil, sobretudo em áreas em que elas possam ser inovadoras ou apresentar padrões de qualidade dificilmente atingíveis por outros operadores no mercado.
Os pequenos negócios – ou os grandes negócios expansíveis de forma modular – são os que se nos afiguram com menos risco, pois que podem ser financiados com poucos recursos e, como soe dizer-se, “com o pelo do cão”.
Restaurantes com sabor português, tasquinhas, pastelarias de qualidade podem ser boas saidas para quem tenha algum dinheiro, necessário talento e vontade de mudar para uma terra tão acolhedora como dificil. Qualquer refeição que em Portugal não custaria mais de 10 €, custa em São Paulo ou no Rio um mínimo de 70 reais (cerca de 25 €). Um café, que não tem comparação com o que estamos habituados a beber em Portugal, custa 5 reais (mais de 2 €) e um pastel de nata, geralmente de qualidade duvidosa, pode custar 8 reais (3,20 €).
A área das novas tecnologias já foi chão que deu uvas, porque os informáticos são já muito mais caros no Brasil que em Portugal. O Brasil é um bom destino para os informáticos desempregados, nomeadamente porque, após as mais recentes reformas da legislação laboral portuguesa, oferece níveis de proteção no emprego muito mais fortes que as portuguesas.
Mas, tanto nesta área como noutras, o que é interessante é, justamente, o movimento inverso.
Os tempos são especialmente propícios ao investimento das empresas brasileiras em Portugal, porque as retribuições das profissões técnicas especialmente qualificadas são, atualmente, mais baixas do que no Brasil, as facilidades de despedimento foram alargadas e as empresas ainda podem beneficiar de apoios e incentivos fiscais se criarem novos empregos.
Enquanto a constituição de uma empresa no Brasil demora pelo menos 6 meses e não pode funcionar sem um administrador brasileiro ou com visto válido de residência, em Portugal constitui-se uma sociedade, em termos de poder começar a funcionar imediatamente, em menos de 24 horas e ela pode ser administrada por um estrangeiro, mesmo que não residente.
O custo de vida em Lisboa, que é a cidade portuguesa mais cara, é, atualmente, de menos de metade do de São Paulo, a saúde e o ensino público são gratuitos, o que reduz, de forma sensível os custos de contexto associados ao emprego, especialmente dos jovens, tomando em consideração que um plano de saúde não custa menos de 600 reais (241,00 € mensais) e um infantário não custa menos de 750 reais (301,00 €). A mensalidade de um curso universitário numa universidade pública pode custar no Brasil até 3.800 reais (1.530 €) custando em Portugal cerca de 80 €.
Depois de o primeiro ministro Passos Coelho ter aconselhado os jovens – em que o Estado investiu milhões, com a educação – a emigrar, como se quisesse transformar o velho País num país de velhos, veio a máquina do Estado lançar uma campanha para que sejam as próprias empresas a sair de Portugal e a ir para o Brasil.
Numa recente entrevista a uma estação de televisão, o comissário do ano, Horta e Costa,  iludiu a realidade, afirmando que o dinheiro aparece, quando a experiência nos tem ensinado que desaparece.
Em setembro e outubro vão realizar-se vários “encontros de negócios”, no Brasil, para os quais o comissário apelou à deslocação de empresários portugueses.
A onda do ano de Portugal no Brasil é uma onda muito parecida com a que marcou a história da fotografia no tempo de José Estaline. O que parece pretender-se, antes de tudo, é repintar a imagem de Portugal no Brasil, como este Portugal do ano – espécie de Beaujaulais Village - fosse um outro que nada tem a ver com os mais de 20 milhões de emigrantes portugueses e seus descendentes, que representam mais de 10% da população brasileira.
Em tempos, referindo ao Portugal moderno, que é esse Portugal falido de que falaram a ministra da Justiça e, agora, o comissário do governo, houve um agente cultural do Ministério dos Negócios Estrangeiros que afirmou, em Brasília, que Portugal já não é um país de padeiros.
Os padeiros portugueses – gente honrada – que faz parte dessa imagem que se pretende apagar com a imposição Portugal moderno, são, na sua grande maioria multimilionários, gente que construiu fortunas com suor e honradez.
São impérios familiares, espalhados por todo o Brasil, em homenagem ao trabalho, à solidariedade e ao talento empresarial.
Os primeiros sinais dos anúncios do ano de Portugal no Brasil ofendem essa gente fina, que cresceu por si própria, sem mensalões, como  se os quisessem apagar da História.
Muitos deles chegaram ao Brasil, com a roupa numa sacola, em tempos de falência como os de hoje. Singraram porque se entreajudaram na compreensão desta fantástica realidade que é o Brasil, em vez de tentarem entradas perdulárias, como as que conduziram à falência dos pipis de chapéu de palhinha, empresários de outros tempos, que também vieram ao Brasil, em viagens de negócios e nos deixaram fabulosos retratos a la minute.
Todos conhecemos as histórias dos brasileiros de água doce, que aqui delapadiram o resto das suas fortunas, a última vez após o fim da II Guerra Mundial, quase todos industriais, de terno branco e chapéu da mesma cor, com um bigode retorcido.
Vieram à procura da árvore das patacas e tiverem que pedir dinheiro emprestado para regressar.
É importante evitar que isso aconteça de novo e volte a alimentar o fabuloso anedotário brasileiro.
O ano de Portugal no Brasil nunca o será se quiser passar à margem (isto é: marginalizar) os mais de 20 milhões de emigrantes portugueses (de origem até à terceira geração) que o Brasil incorporou como seus filhos, mas que continuam portugueses como os que aqui chegaram.
São esses sim: os padeiros, os comendadores, todos aqueles que aparecem nas fotografias dos jornais da comunidade e que os políticos (geralmente pindéricos ou incultos) tratam como saloios, apesar de eles serem não a imagem do sucesso mas o próprio sucesso. Gente de respeito, que construiu tudo com trabalho e que, por isso, se dói, quando sente que a querem apagar dos retratos.
Poderiam ser esses Senhores (com S maiúsculo) os Mestres da arte de investir no Brasil e ter sucesso. São muito mais antigos e muito mais importantes do que todas as PT’s e todos os Hortas, que não conseguiram sequer manter-se no mercado e deixaram uma péssima memória a todos os consumidores.
Mas não: em vez de os congregar, o Estado afasta-os e ofende-os, com a propaganda do Portugal moderno, desenhada em termos que lhes não pertencem.
Lastimável é que, apesar da multiplicação dos naufrágios em tempos recentes, num momento em que Portugal precisa, mais do que nunca, de sucesso, que não se alcança sem lucidez e realismo, a máquina da propaganda e da vaidade prepara-se para, da forma mais irresponsável, para contribuir para o agravamento dos desastres.
Há uns anos era frequente  ver empresários do Norte de Portugal, que não pagavam salários, gastar fortunas num conhecido puteiro de Lisboa, chamado Elefante Branco.
Hoje, quando entram em insolvência, viajam para o Brasil, normalmente em classe executiva, aconselhados por firmas de consultores que voltam a vender o sonho da árvore das patacas, a troco de umas visitas aqui e ali e do alojamento coletivo, por conta dos otários, em hoteis de primeira linha.
O Brasil oferece excelentes oportunidades mas não é o caixote do lixo de Portugal. Mais dramático é que haja quem tente transformar este maravilhoso país numa espécie de cemitério de empresas portuguesas.
Era bom que houvesse bom senso e que isso se evitasse.

Miguel Reis

São Paulo, 31/7/2012

terça-feira, 17 de julho de 2012

Asneiras consulares


COMENTÁRIOS AO SITE DO
CONSULADO GERAL DE PORTUGAL NO
RIO DE JANEIRO


O site do Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro é um repositório de asneiras técnico-juridicas, que merecem um breve  comentário.
Lê-se, logo a abrir, sob a epigrafe de “atualização do estado civil” esta autêntica preciosidade:

Os casamentos ou óbitos dos portugueses, mesmo os ocorridos no estrangeiro, têm por lei, de ser comunicados (transcritos) ao registo civil português.

Essas transcrições são averbadas nos respectivos assentos de nascimento, ou casamento, do nacional português(a).

As referidas transcrições são indispensáveis para os filhos obterem a nacionalidade portuguesa e documentos como, passaporte, cartão de cidadão, etc., possam ser emitidos com o estado civil correcto e com as eventuais alterações de nome por efeito do casamento.

Porém, os consulados portugueses não podem efectuar a averbação dos divórcios e separações decretados por sentença estrangeira. Esta averbação terá de ser promovida pela via judicial, em Portugal. (...)

Atenção: os interessados na averbação de divórcio ou separação terão de solicitar primeiro a transcrição do respectivo casamento no consulado.

A transcrição deve ser requerida pelos nubentes (se estiverem vivos).
Neste caso podem solicitar ao mesmo tempo o respectivo Cartão de Cidadão;
Caso os nubentes sejam falecidos, a transcrição pode ser requerida por um parente próximo (filho ou neto).

Atenção: Em casamento realizado entre portugueses no exterior prevalece o regime imperativo da separação de bens. Porém, se os nubentes optarem por outro regime de bens, deverão proceder antes ao processo preliminar de publicações para casamento.

Não se pode falar, nem com rigor nem com propriedade, de “atualização do estado civil”.
O estado civil é o que é, em função dos ordenamentos jurídicos que o regulam; e, por isso mesmo, nunca está desatualizado.
O que pode estar desatualizado é o registo civil que, segundo a lei portuguesa portuguesa é obrigatório relativamente aos seguintes factos:
(...)
a) O nascimento;
b) A filiação;
c) A adopção;
d) O casamento;
e) As convenções antenupciais e as alterações do regime de bens convencionado ou legalmente fixado;
f) A regulação do exercício do poder paternal, sua alteração e cessação;
g) A inibição ou suspensão do exercício do poder paternal e as providências limitativas desse poder;
h) A interdição e inabilitação definitivas, a tutela de menores ou interditos, a administração de bens de menores e a curadoria de inabilitados;
i) O apadrinhamento civil e a sua revogação;
j) A curadoria provisória ou definitiva de ausentes e a morte presumida;
 l) A declaração de insolvência, o indeferimento do respectivo pedido, nos casos de designação prévia de administrador judicial provisório, e o encerramento do processo de insolvência;
 m) A nomeação e cessação de funções do administrador judicial e do administrador judicial provisório da insolvência, a atribuição ao devedor da administração da massa insolvente, assim como a proibição da prática de certos actos sem o consentimento do administrador da insolvência e a cessação dessa administração;
 n) A inabilitação e a inibição do insolvente para o exercício do comércio e de determinados cargos;
 o) A exoneração do passivo restante, assim como o início e cessação antecipada do respectivo procedimento e a revogação da exoneração;
p) O óbito;
 q) Os que determinem a modificação ou extinção de qualquer dos factos indicados e os que decorram de imposição legal.Description: er jurisprudência
            É o que dispõe o artº 1º, 1 do Código do Registo Civil, que no seu nº 2 determina que  “os factos respeitantes a estrangeiros só estão sujeitos a registo obrigatório quando ocorram em território português.”
            Relativamente aos portugueses – ainda que plurinacionais e não residentes em Portugal – é obrigatório o registo de todos os atos acima identificados, podendo o registo ser requerido por qualquer pessoa que tenha nisso interesse legítimo.
            Não é correto falar de atualização ou desatualização do estado civil.
            Do que deveria tratar-se – e nisso os consulados deveriam ter uma função  pedagógica – é de difundir a ideia de que há um conjunto de atos que estão obrigatoriamente sujeitos a registo civil em Portugal, sob pena de não se poder fazer prova dos mesmos.
Dispõe, a propósito o artigo 2.º do Código do Registo Civil que, salvo disposição legal em contrário, os factos cujo registo é obrigatório só podem ser invocados depois de registados, determinando o artº 3º que aprova resultante do registo civil quanto aos factos que a ele estão obrigatoriamente sujeitos e ao estado civil correspondente não pode ser ilidida por qualquer outra, a não ser nas acções de Estado e nas acções de registo.
Os factos registados não podem ser impugnados em juízo sem que seja pedido o cancelamento ou a rectificação dos registos correspondentes (artº 3º) e, em coerência com esse normativo,  a prova dos factos sujeitos a registo só pode ser feita pelos meios previstos neste Código.
Nos termos das normas de direito internacional privado do direito português é aplicável a lex cives  (a lei portuguesa, relativamente aos portugueses) na generalidade das questões de família e das questões sucessórias, ao contrário de quadros idênticos do direito brasileiro, em que releva a lex domicili.
Reduzir toda essa problemática à questão da necessidade para os filhos obterem a nacionalidade portuguesa e documentos como, passaporte, cartão de cidadão, etc.  é uma enormíssima asneira.
A falta do registo de factos sujeitos a registo obrigatório têm consequências na esfera juridica da pessoa a que tal falta se refere, faltas essas que podem ser importantes para o estabelecimento de presunções, mas que não são, de todo, determinantes de outras consequências não previstas na lei.
A título de mero exemplo, a falta de transcrição de um casamento de português celebrado no estrangeiro não prejudica o estabelecimento da filiação, implicando apenas a ineficácia de tal casamento na ordem jurídica portuguesa, sem prejuizo da obrigação do processamento de tal registo.
O que o consulado deveria promover era o aconselhamento dos nacionais portugueses para o processamento do registo dos factos sujeitos a registo obrigatório.
Em chamada de atenção diz o Consulado de Portugal no Rio de Janeiro que os interessados na averbação de divórcio ou separação terão de solicitar primeiro a transcrição do respectivo casamento no consulado.
Estamos, manifestamente, perante uma gostosa anedota sobre portugueses.
Não é preciso ser jurista para compreender que não se pode pretender o registo de um divórcio ou de uma separação judicial se o casamento não foi registado.
Logo a seguir, surgem duas terriveis boutades:

“A transcrição deve ser requerida pelos nubentes (se estiverem vivos).
Neste caso podem solicitar ao mesmo tempo o respectivo Cartão de Cidadão;
Caso os nubentes sejam falecidos, a transcrição pode ser requerida por um parente próximo (filho ou neto).”

Para além de se misturarem alhos com bugalhos, parece-nos que a informação prestada aos utentes é manifestamente errada.
Não se alcança como é possivel pedir, ao mesmo tempo, proceder ao pedido do registo do casamento celebrado no estrangeiro e fazer declaração para pedido de cartão de cidadão, contendo, necessariamente a afirmação de factos que não pode invocar-se, qua tale, nos termos das referidas disposições do Código do Registo Civil.
Estamos, a um tempo, perante o total abandalhamento do rigor jurídico e o tratamento dos residentes no estrangeiro como cidadãos de segunda categoria, a quem se não exige o mesmo que aos da metrópole.
De outro lado, não tem nenhum fundamento jurídico a afirmação de que a transcrição do casamento celebrado no estrangeiro só pode ser solicitada pelos nubentes, se forem vivos, ou por  filhos ou netos se os nubentes forem falecidos.
A transcrição pode ser requerida por qualquer pessoa que tenha interesse legítimo no registo, nomeadamente, v.g., por um credor que pretenda, obter com o registo condições para a execução dos bens de qualquer dos cônjuges e, para isso, precise de demonstrar que há um casamento com eficácia em Portugal.
No caso de os cônjuges serem vivos, nada obsta  a que os filhos ou os netos requeiram a transcrição do casamento, a fim de beneficiarem dos efeitos de tal registo.
Afirma-se, ainda, no referido site que “em casamento realizado entre portugueses no exterior prevalece o regime imperativo da separação de bens. Porém, se os nubentes optarem por outro regime de bens, deverão proceder antes ao processo preliminar de publicações para casamento.”
Estamos, também aqui, perante uma asneira grosseira.
Ao casamento celebrado por portugueses no estrangeiro aplica-se a lei do local da celebração, em conformidade com o disposto no artº 50º e seguintes do Código Civil português.
No que se refere ao regime de bens, rege, no essencial o diposto no artº 53º do Código Civil, que dispõe o seguinte:

1 - A substância e efeitos das convenções antenupciais e do regime de bens, legal ou convencional, são definidos pela lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração do casamento.
2 - Não tendo os nubentes a mesma nacionalidade é aplicável a lei da sua residência habitual comum à data do casamento e, se esta faltar também, a lei da primeira residência conjugal.
3 - Se for estrangeira a lei aplicável e um dos nubentes tiver a sua residência habitual em território português, pode ser convencionado um dos regimes admitidos neste código.

Os quadros mais comuns que encontramos no Brasil são os seguintes:

a)                     Casamento de pessoas que têm a nacionalidade brasileira comum, ainda que um ou ambos sejam também portugueses.
b)                    Casamento de conjuge que é nacional português com cônjuge que é nacional brasileiro, ou que é estrangeiro residente no Brasil.
            Tanto num quadro como no outro se aplica ao regime de bens a lei brasileira, nomeadamente no que ser refere ao regime supletivo de bens, que era o da comunhão geral de bens até à entrada em vigor do Código Civil de 2002 e passou a ser o da comunhão parcial de bens, depois da entrada em vigor deste código.
            Motivo de preocupação é o facto de o Consulado de Portugal no Rio afirmar no seu site que em casamento realizado entre portugueses no exterior prevalece o regime imperativo da separação de bens.
            Seguramente que, em coerência com este entendimento. os funcionários dete consulado estarão a processar registos de casamento celebrados em conformidade com a legislação brasileira, alterando o regime de bens, por relação àquele que rege esses casamentos, o que, para além de ser uma asneira grosseira, prejudica, de forma que pode ser gravíssima, os direitos pessoais dos cônjuges e dos seus sucessores e lança a completa insegurança no tráfico jurídico, pelas implicações que esta questão tem nas relações patrimoniais.
            Agrava o problema o facto de terem desaparecido os livros dos registo civil e de o registo civil português ter passado a ser processado numa base de dados que é praticamente incontrolável e inacessivel, permitindo, por natureza, toda a qualidade de fraudes.
            A informatização do registo civil, tal como foi feita pelas autoridades portuguesas,  deixou de permitir consultas de sequências de registos.
            Deixou de ser possivel verificar os registos que foram feitos, em qualquer repartição durante, por exemplo, determinado mês do ano.
            Antes da reforma era possivel a qualquer pessoa – porque o registo civil tem natureza pública – consultar os livros de registo e verificar, v.g., se os registos de casamento de portugueses celebrados no Rio de Janeiro tinha passado, todos, a ser feitos sob o regime da separação de bens.
Isso deixou, agora de ser possivel, podendo acontecer que o Consulado tenha implementado a asneira anunciada no seu site sem que alguém se aperceba disso.


16/07/2012