segunda-feira, 30 de julho de 2012

Evitar que o Brasil se transforme num cemitério de empresas portuguesas


O Brasil é um país fantástico, que tem funcionado, no imaginário português, como uma espécie de “seguro de vida” para Portugal.
O relacionamento entre Portugal e o Brasil – pesem embora alguns momentos de glória nos últimos tempos – sempre foi marcado pela imbecilidade portuguesa, desde que daqui saíu D. Pedro I, o IV dos portugueses.
Contam-se anedotas tão fantásticas quão carinhosas dos portugueses que lhe dão precisamente esse tónus – o da imbecilidade – sem que isso se possa haver como insultuoso ou ofensivo.
A sorte da maior parte dos políticos portugueses está no facto de os correspondentes de imprensa não reproduzirem na imprensa de Portugal o que eles afirmam  no Brasil e de a imprensa portuguesa local ser marcada por uma elegância e um respeito que não permite tomar nota (nem sequer conhecer) as contradições.
Os portugueses e luso-descendentes até à 3ª geração deverão ser uns 21 milhões no Brasil, com uma diferença de entre 700 mil e  1 milhão a menos, por parte dos italianos.
Estes  - os italianos – dizem que são 31 milhões no Brasil e 15 milhões na Argentina.
As autoridades  de Portugal fazem variar o número entre 500 mil e 700, como se tivessem vergonha da imensa comunidade portuguesa neste grande país.
Diz a Embaixada de Portugal em Brasília:
«Apresentando um total de 213.203 indivíduos, incluindo os bi-nacionais, no censo demográfico brasileiro de 2000 (amostra), e calculada entre 500.000 e 700.000 pelos Serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros português, em coerência, aliás, com o total das inscrições consulares registadas, o que importa reter, para além da sua expressão numérica, é que esta é uma das comunidades portuguesas mais relevantes.»
Fábio Porta deputado brasileiro ao parlamento italiano, escreve o seguinte, a propósito da comunidade italiana:
«Não temos petróleo, energia atômica, dimensões enormes como têm China, Rússia, Índia. Temos esse patrimônio que ninguém tem: 31 milhões de italianos no Brasil, 15 milhões na Argentina. E essa riqueza está um tanto adormecida por falta de atenção e entendimento político do potencial destes “países” que vivem fora da Itália. »
Ora, entre 1881 e 2010 emigraram para o Brasil 1.514.057 portugueses e 1.507.695 italianos. Mesmo sem contar os portugueses que vieram para o Brasil desde a descoberta até 1881, as projeções das familias tipo e do número de emigrantes apontam para que a comunidade portuguesa, considerada como a dos portugueses e luso-descendentes até à 3ª geração (netos), será maior que a italiana e se fixará em torno daqueles números.
Quando falo disto parece que estou a fazer um sacrilégio, apesar de ser consensual que os italianos não são os tais 31 milhões de que fala Fábio Porta.
Os portugueses apoucam-se e deixam que os seus governantes os apouquem e continuem com essa afirmação de que são 5 milhões fora de Portugal, Brasil incluído, afirmação que tem mais de 20 anos e que é uma confabulação sem nenhum fundamento sério.
Tanto o Brasil como Portugal aceitam a dupla nacionalidade e desconsideram a nacionalidade estrangeira dos que também são seus nacionais, quando residentes nos respetivos territórios, não contando esses “estrangeiros” como tal, porque são nacionais.
É, porém, lastimável que o que é apenas uma verdade estatística tenha servido para satisfazer a tradicional preguiça das chancelarias, desvalorizando-se os brasileiros que, no Brasil, são também portugueses e os portugueses que, em Portugal, são também brasileiros.
Com essa falta de visão – que é luso-brasileira – se anulam boa parte dos efeitos mais salutares do regime da plurinacionalidade.
De setembro de 2012  a junho de 2013 vamos viver o ano de Portugal no Brasil e do Brasil em Portugal.
 A propaganda oficial de Portugal tem sido marcada pela crise financeira e pela afirmação da intenção de aumentar os investimentos portugueses no Brasil, como se o país estivesse em condições de fomentar investimentos fora das suas fronteiras.
Os políticos portugueses, que vêm ao Brasil e se instalam, como nababos em hotéis com preços proibitivos, frequentando restaurantes cujos preços não encontram comparação em Lisboa, só dão estes conselhos porque não pagam as contas.
Os preços no Brasil atingiram níveis proibitivos para as pequenas empresas de qualquer dos paises da União Europeia, a não ser que elas disponham (o que é raro) de avultados stocks de capital e estejam vocacionadas para o proteger num país muito atrativo em termos financeiros. Porém, se tiverem de recorrer ao crédito, precisam, para além de histórico, de pagar taxas que são elevadíssimas.
Os últimos números relativos ao investimento estrangeiro dão conta de que, no primeiro semestre, Portugal, um país em que o crédito secou, investiu mais de 300 milhões de euros no Brasil, enquanto o Brasil, que está a nadar em dinheiro, investiu apenas 60 milhões de euros em Portugal.
Poderemos estar a assistir ao uso de Portugal como veiculo para o investimento no Brasil por parte de outros países, nomeadamente da China, que, como é sabido, tem um acordo cambial com o Brasil, transacionando em real e yuan, desde 2009. Aliás, em julho de 2012, já há 91 paises (contra 65 de há um ano) a processar as transações com a China em yuan.
O Brasil está sobre-aquecido, em consequência da crise internacional e do facto de ter sido transformado numa placa giratória de negócios financeiros com os Estados Unidos e com a China, como que se tivesse assumido a função de substituir os asiáticos no negócio da dívida americana, perspetivando-se que substitua os chineses na posição de maior credor, a breve prazo.
Entre 2008 e o fim do primeiro trimestre de 2012 o investimento chinês na Europa cresceu sete vezes, atingindo valores astronómicos. No Brasil, cresceu de forma exponencial desde 2010, inviabilizando uma boa parte da indústria brasileira e contribuindo para que o Brasil assuma, cada vez mais, uma estrutura de tipo colonial, exportadora de matérias primas e com a industria, sobretudo a que existe com vocação exportadora, condenada à falência.
Tanto no Brasil como na Europa e nos Estados Unidos há cada vez mais indícios da existência de  um conluio dos governos, do sistema financeiro e dos dirigentes do Partido Comunista da China, no sentido de substituir os pagamentos dos produtos importados da R.P.C. por títulos de dívida. Ou seja: os chineses são tão amigos dos ocidentais que lhes fornecem tudo – desde os equipamentos mais sofisticados até às cuecas de griffe – sem nada receber, ou melhor, recebendo títulos de divida.
Depois de se ter transformado no maior credor dos Estados Unidos – o que serve para provar que a aversão dos americanos ao comunismo é uma estrondosa mentira -  a República Popular da China, que é o único país comunista vitorioso, prepara-se para se transformar no principal credor dos países da União Europeia e do Brasil, após ter assumido posições especialmente relevantes em Angola e Moçambique.
Como pode ler-se num texto da Embaixada da China em Brasília, “para as empresas chinesas, o mercado brasileiro parece um bolo gostoso, que, no entanto, não é fácil de saborear.”
Eles têm o problema da língua; mas esse será, ao menos em parte, resolvido com a ajuda de Portugal, envolvendo entidades e recursos públicos. Ninguém nos ajuda a aprender mandarim, mas o nosso país, que está falido, como ainda recentemente reconheceu a ministra da Justiça, esbanja recursos a ensinar aos chineses o que não ensina aos próprios portugueses.
Os chineses já anunciaram a sua intenção de entrar no negócio da construição civil no Brasil, começando por instalar as próprias fabricas de equipamentos. Antes de entrar, a sério, no mercado preparam o terreno, com recurso a órgãos  de comunicação prestigiados.
É com este pano de fundo que ouvimos os apelos às pequenas e médias empresas portuguesas para que invistam no Brasil.
Os tempos não são propícios para uma boa parte dos investimentos, sobretudo na indústria e, especialmente, na indústria da construção civil.
Em primeiro lugar, porque o mercado imobiliário está sobreaquecido e não é seguro que  não assistamos, a muito curto prazo, a uma crise semelhante à que se vive atualmente no sul da Europa.
Em segundo lugar, porque a flecha do aumento do custo de vida disparou de forma vertiginosa, começando a ameaçar o equilibrio social, por via da inacessibilidade de muitos cidadãos da classes mais humildes a bens essenciais, como o arroz ou o feijão, o que se vem traduzindo num recrudescimento da violência.
Em terceiro lugar, porque o custo do dinheiro (e da dívida pública, que este ano se deve fixar em cerca de 2 triliões de reais) é brutalmente mais alto do que nos Estados Unidos ou na Europa. As taxas de juros mensais nos financiamentos dos particulares e da empresas são desproporcionadamente altas, por comparação com o que as nossas empresas estão habituadas a pagar.
Em quarto lugar,  porque o Brasil é um país muito burocratizado, muito dificil e com um sistema jurídico muito diferente do que temos em Portugal.
Todos os dias vemos anúncios de vendedores de ilusões, aliciando empresários portugueses para projetos de investimento que não têm, quase por regra,  a mínima viabilidade.
As ofertas são, geralmente, de coisas rápidas, como se os trouxessem a um feira de pechinchas, de pegar ou largar.
Do mal o menos quando o desastre pára na conta dos consultores, não se perdendo tudo, porque o Brasil é um país que vale a pena ser visitado.
Há hoje um número elevado de empresas portuguesas, em estado de insolvência, porque se tentaram salvar no Brasil, envolvendo, de forma imprudente, os recursos de que dispunham.
Essas agonizam em Portugal, enquanto os seus filhos, salvas algumas honrosas exceções, ou morreram nas praias  brasileiras ou abortaram mesmo antes da nascença.
Claro que nem tudo é mau; e que há grandes oportunidades de negócios, acessíveis a empresas portuguesas, no Brasil, sobretudo em áreas em que elas possam ser inovadoras ou apresentar padrões de qualidade dificilmente atingíveis por outros operadores no mercado.
Os pequenos negócios – ou os grandes negócios expansíveis de forma modular – são os que se nos afiguram com menos risco, pois que podem ser financiados com poucos recursos e, como soe dizer-se, “com o pelo do cão”.
Restaurantes com sabor português, tasquinhas, pastelarias de qualidade podem ser boas saidas para quem tenha algum dinheiro, necessário talento e vontade de mudar para uma terra tão acolhedora como dificil. Qualquer refeição que em Portugal não custaria mais de 10 €, custa em São Paulo ou no Rio um mínimo de 70 reais (cerca de 25 €). Um café, que não tem comparação com o que estamos habituados a beber em Portugal, custa 5 reais (mais de 2 €) e um pastel de nata, geralmente de qualidade duvidosa, pode custar 8 reais (3,20 €).
A área das novas tecnologias já foi chão que deu uvas, porque os informáticos são já muito mais caros no Brasil que em Portugal. O Brasil é um bom destino para os informáticos desempregados, nomeadamente porque, após as mais recentes reformas da legislação laboral portuguesa, oferece níveis de proteção no emprego muito mais fortes que as portuguesas.
Mas, tanto nesta área como noutras, o que é interessante é, justamente, o movimento inverso.
Os tempos são especialmente propícios ao investimento das empresas brasileiras em Portugal, porque as retribuições das profissões técnicas especialmente qualificadas são, atualmente, mais baixas do que no Brasil, as facilidades de despedimento foram alargadas e as empresas ainda podem beneficiar de apoios e incentivos fiscais se criarem novos empregos.
Enquanto a constituição de uma empresa no Brasil demora pelo menos 6 meses e não pode funcionar sem um administrador brasileiro ou com visto válido de residência, em Portugal constitui-se uma sociedade, em termos de poder começar a funcionar imediatamente, em menos de 24 horas e ela pode ser administrada por um estrangeiro, mesmo que não residente.
O custo de vida em Lisboa, que é a cidade portuguesa mais cara, é, atualmente, de menos de metade do de São Paulo, a saúde e o ensino público são gratuitos, o que reduz, de forma sensível os custos de contexto associados ao emprego, especialmente dos jovens, tomando em consideração que um plano de saúde não custa menos de 600 reais (241,00 € mensais) e um infantário não custa menos de 750 reais (301,00 €). A mensalidade de um curso universitário numa universidade pública pode custar no Brasil até 3.800 reais (1.530 €) custando em Portugal cerca de 80 €.
Depois de o primeiro ministro Passos Coelho ter aconselhado os jovens – em que o Estado investiu milhões, com a educação – a emigrar, como se quisesse transformar o velho País num país de velhos, veio a máquina do Estado lançar uma campanha para que sejam as próprias empresas a sair de Portugal e a ir para o Brasil.
Numa recente entrevista a uma estação de televisão, o comissário do ano, Horta e Costa,  iludiu a realidade, afirmando que o dinheiro aparece, quando a experiência nos tem ensinado que desaparece.
Em setembro e outubro vão realizar-se vários “encontros de negócios”, no Brasil, para os quais o comissário apelou à deslocação de empresários portugueses.
A onda do ano de Portugal no Brasil é uma onda muito parecida com a que marcou a história da fotografia no tempo de José Estaline. O que parece pretender-se, antes de tudo, é repintar a imagem de Portugal no Brasil, como este Portugal do ano – espécie de Beaujaulais Village - fosse um outro que nada tem a ver com os mais de 20 milhões de emigrantes portugueses e seus descendentes, que representam mais de 10% da população brasileira.
Em tempos, referindo ao Portugal moderno, que é esse Portugal falido de que falaram a ministra da Justiça e, agora, o comissário do governo, houve um agente cultural do Ministério dos Negócios Estrangeiros que afirmou, em Brasília, que Portugal já não é um país de padeiros.
Os padeiros portugueses – gente honrada – que faz parte dessa imagem que se pretende apagar com a imposição Portugal moderno, são, na sua grande maioria multimilionários, gente que construiu fortunas com suor e honradez.
São impérios familiares, espalhados por todo o Brasil, em homenagem ao trabalho, à solidariedade e ao talento empresarial.
Os primeiros sinais dos anúncios do ano de Portugal no Brasil ofendem essa gente fina, que cresceu por si própria, sem mensalões, como  se os quisessem apagar da História.
Muitos deles chegaram ao Brasil, com a roupa numa sacola, em tempos de falência como os de hoje. Singraram porque se entreajudaram na compreensão desta fantástica realidade que é o Brasil, em vez de tentarem entradas perdulárias, como as que conduziram à falência dos pipis de chapéu de palhinha, empresários de outros tempos, que também vieram ao Brasil, em viagens de negócios e nos deixaram fabulosos retratos a la minute.
Todos conhecemos as histórias dos brasileiros de água doce, que aqui delapadiram o resto das suas fortunas, a última vez após o fim da II Guerra Mundial, quase todos industriais, de terno branco e chapéu da mesma cor, com um bigode retorcido.
Vieram à procura da árvore das patacas e tiverem que pedir dinheiro emprestado para regressar.
É importante evitar que isso aconteça de novo e volte a alimentar o fabuloso anedotário brasileiro.
O ano de Portugal no Brasil nunca o será se quiser passar à margem (isto é: marginalizar) os mais de 20 milhões de emigrantes portugueses (de origem até à terceira geração) que o Brasil incorporou como seus filhos, mas que continuam portugueses como os que aqui chegaram.
São esses sim: os padeiros, os comendadores, todos aqueles que aparecem nas fotografias dos jornais da comunidade e que os políticos (geralmente pindéricos ou incultos) tratam como saloios, apesar de eles serem não a imagem do sucesso mas o próprio sucesso. Gente de respeito, que construiu tudo com trabalho e que, por isso, se dói, quando sente que a querem apagar dos retratos.
Poderiam ser esses Senhores (com S maiúsculo) os Mestres da arte de investir no Brasil e ter sucesso. São muito mais antigos e muito mais importantes do que todas as PT’s e todos os Hortas, que não conseguiram sequer manter-se no mercado e deixaram uma péssima memória a todos os consumidores.
Mas não: em vez de os congregar, o Estado afasta-os e ofende-os, com a propaganda do Portugal moderno, desenhada em termos que lhes não pertencem.
Lastimável é que, apesar da multiplicação dos naufrágios em tempos recentes, num momento em que Portugal precisa, mais do que nunca, de sucesso, que não se alcança sem lucidez e realismo, a máquina da propaganda e da vaidade prepara-se para, da forma mais irresponsável, para contribuir para o agravamento dos desastres.
Há uns anos era frequente  ver empresários do Norte de Portugal, que não pagavam salários, gastar fortunas num conhecido puteiro de Lisboa, chamado Elefante Branco.
Hoje, quando entram em insolvência, viajam para o Brasil, normalmente em classe executiva, aconselhados por firmas de consultores que voltam a vender o sonho da árvore das patacas, a troco de umas visitas aqui e ali e do alojamento coletivo, por conta dos otários, em hoteis de primeira linha.
O Brasil oferece excelentes oportunidades mas não é o caixote do lixo de Portugal. Mais dramático é que haja quem tente transformar este maravilhoso país numa espécie de cemitério de empresas portuguesas.
Era bom que houvesse bom senso e que isso se evitasse.

Miguel Reis

São Paulo, 31/7/2012

terça-feira, 17 de julho de 2012

Asneiras consulares


COMENTÁRIOS AO SITE DO
CONSULADO GERAL DE PORTUGAL NO
RIO DE JANEIRO


O site do Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro é um repositório de asneiras técnico-juridicas, que merecem um breve  comentário.
Lê-se, logo a abrir, sob a epigrafe de “atualização do estado civil” esta autêntica preciosidade:

Os casamentos ou óbitos dos portugueses, mesmo os ocorridos no estrangeiro, têm por lei, de ser comunicados (transcritos) ao registo civil português.

Essas transcrições são averbadas nos respectivos assentos de nascimento, ou casamento, do nacional português(a).

As referidas transcrições são indispensáveis para os filhos obterem a nacionalidade portuguesa e documentos como, passaporte, cartão de cidadão, etc., possam ser emitidos com o estado civil correcto e com as eventuais alterações de nome por efeito do casamento.

Porém, os consulados portugueses não podem efectuar a averbação dos divórcios e separações decretados por sentença estrangeira. Esta averbação terá de ser promovida pela via judicial, em Portugal. (...)

Atenção: os interessados na averbação de divórcio ou separação terão de solicitar primeiro a transcrição do respectivo casamento no consulado.

A transcrição deve ser requerida pelos nubentes (se estiverem vivos).
Neste caso podem solicitar ao mesmo tempo o respectivo Cartão de Cidadão;
Caso os nubentes sejam falecidos, a transcrição pode ser requerida por um parente próximo (filho ou neto).

Atenção: Em casamento realizado entre portugueses no exterior prevalece o regime imperativo da separação de bens. Porém, se os nubentes optarem por outro regime de bens, deverão proceder antes ao processo preliminar de publicações para casamento.

Não se pode falar, nem com rigor nem com propriedade, de “atualização do estado civil”.
O estado civil é o que é, em função dos ordenamentos jurídicos que o regulam; e, por isso mesmo, nunca está desatualizado.
O que pode estar desatualizado é o registo civil que, segundo a lei portuguesa portuguesa é obrigatório relativamente aos seguintes factos:
(...)
a) O nascimento;
b) A filiação;
c) A adopção;
d) O casamento;
e) As convenções antenupciais e as alterações do regime de bens convencionado ou legalmente fixado;
f) A regulação do exercício do poder paternal, sua alteração e cessação;
g) A inibição ou suspensão do exercício do poder paternal e as providências limitativas desse poder;
h) A interdição e inabilitação definitivas, a tutela de menores ou interditos, a administração de bens de menores e a curadoria de inabilitados;
i) O apadrinhamento civil e a sua revogação;
j) A curadoria provisória ou definitiva de ausentes e a morte presumida;
 l) A declaração de insolvência, o indeferimento do respectivo pedido, nos casos de designação prévia de administrador judicial provisório, e o encerramento do processo de insolvência;
 m) A nomeação e cessação de funções do administrador judicial e do administrador judicial provisório da insolvência, a atribuição ao devedor da administração da massa insolvente, assim como a proibição da prática de certos actos sem o consentimento do administrador da insolvência e a cessação dessa administração;
 n) A inabilitação e a inibição do insolvente para o exercício do comércio e de determinados cargos;
 o) A exoneração do passivo restante, assim como o início e cessação antecipada do respectivo procedimento e a revogação da exoneração;
p) O óbito;
 q) Os que determinem a modificação ou extinção de qualquer dos factos indicados e os que decorram de imposição legal.Description: er jurisprudência
            É o que dispõe o artº 1º, 1 do Código do Registo Civil, que no seu nº 2 determina que  “os factos respeitantes a estrangeiros só estão sujeitos a registo obrigatório quando ocorram em território português.”
            Relativamente aos portugueses – ainda que plurinacionais e não residentes em Portugal – é obrigatório o registo de todos os atos acima identificados, podendo o registo ser requerido por qualquer pessoa que tenha nisso interesse legítimo.
            Não é correto falar de atualização ou desatualização do estado civil.
            Do que deveria tratar-se – e nisso os consulados deveriam ter uma função  pedagógica – é de difundir a ideia de que há um conjunto de atos que estão obrigatoriamente sujeitos a registo civil em Portugal, sob pena de não se poder fazer prova dos mesmos.
Dispõe, a propósito o artigo 2.º do Código do Registo Civil que, salvo disposição legal em contrário, os factos cujo registo é obrigatório só podem ser invocados depois de registados, determinando o artº 3º que aprova resultante do registo civil quanto aos factos que a ele estão obrigatoriamente sujeitos e ao estado civil correspondente não pode ser ilidida por qualquer outra, a não ser nas acções de Estado e nas acções de registo.
Os factos registados não podem ser impugnados em juízo sem que seja pedido o cancelamento ou a rectificação dos registos correspondentes (artº 3º) e, em coerência com esse normativo,  a prova dos factos sujeitos a registo só pode ser feita pelos meios previstos neste Código.
Nos termos das normas de direito internacional privado do direito português é aplicável a lex cives  (a lei portuguesa, relativamente aos portugueses) na generalidade das questões de família e das questões sucessórias, ao contrário de quadros idênticos do direito brasileiro, em que releva a lex domicili.
Reduzir toda essa problemática à questão da necessidade para os filhos obterem a nacionalidade portuguesa e documentos como, passaporte, cartão de cidadão, etc.  é uma enormíssima asneira.
A falta do registo de factos sujeitos a registo obrigatório têm consequências na esfera juridica da pessoa a que tal falta se refere, faltas essas que podem ser importantes para o estabelecimento de presunções, mas que não são, de todo, determinantes de outras consequências não previstas na lei.
A título de mero exemplo, a falta de transcrição de um casamento de português celebrado no estrangeiro não prejudica o estabelecimento da filiação, implicando apenas a ineficácia de tal casamento na ordem jurídica portuguesa, sem prejuizo da obrigação do processamento de tal registo.
O que o consulado deveria promover era o aconselhamento dos nacionais portugueses para o processamento do registo dos factos sujeitos a registo obrigatório.
Em chamada de atenção diz o Consulado de Portugal no Rio de Janeiro que os interessados na averbação de divórcio ou separação terão de solicitar primeiro a transcrição do respectivo casamento no consulado.
Estamos, manifestamente, perante uma gostosa anedota sobre portugueses.
Não é preciso ser jurista para compreender que não se pode pretender o registo de um divórcio ou de uma separação judicial se o casamento não foi registado.
Logo a seguir, surgem duas terriveis boutades:

“A transcrição deve ser requerida pelos nubentes (se estiverem vivos).
Neste caso podem solicitar ao mesmo tempo o respectivo Cartão de Cidadão;
Caso os nubentes sejam falecidos, a transcrição pode ser requerida por um parente próximo (filho ou neto).”

Para além de se misturarem alhos com bugalhos, parece-nos que a informação prestada aos utentes é manifestamente errada.
Não se alcança como é possivel pedir, ao mesmo tempo, proceder ao pedido do registo do casamento celebrado no estrangeiro e fazer declaração para pedido de cartão de cidadão, contendo, necessariamente a afirmação de factos que não pode invocar-se, qua tale, nos termos das referidas disposições do Código do Registo Civil.
Estamos, a um tempo, perante o total abandalhamento do rigor jurídico e o tratamento dos residentes no estrangeiro como cidadãos de segunda categoria, a quem se não exige o mesmo que aos da metrópole.
De outro lado, não tem nenhum fundamento jurídico a afirmação de que a transcrição do casamento celebrado no estrangeiro só pode ser solicitada pelos nubentes, se forem vivos, ou por  filhos ou netos se os nubentes forem falecidos.
A transcrição pode ser requerida por qualquer pessoa que tenha interesse legítimo no registo, nomeadamente, v.g., por um credor que pretenda, obter com o registo condições para a execução dos bens de qualquer dos cônjuges e, para isso, precise de demonstrar que há um casamento com eficácia em Portugal.
No caso de os cônjuges serem vivos, nada obsta  a que os filhos ou os netos requeiram a transcrição do casamento, a fim de beneficiarem dos efeitos de tal registo.
Afirma-se, ainda, no referido site que “em casamento realizado entre portugueses no exterior prevalece o regime imperativo da separação de bens. Porém, se os nubentes optarem por outro regime de bens, deverão proceder antes ao processo preliminar de publicações para casamento.”
Estamos, também aqui, perante uma asneira grosseira.
Ao casamento celebrado por portugueses no estrangeiro aplica-se a lei do local da celebração, em conformidade com o disposto no artº 50º e seguintes do Código Civil português.
No que se refere ao regime de bens, rege, no essencial o diposto no artº 53º do Código Civil, que dispõe o seguinte:

1 - A substância e efeitos das convenções antenupciais e do regime de bens, legal ou convencional, são definidos pela lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração do casamento.
2 - Não tendo os nubentes a mesma nacionalidade é aplicável a lei da sua residência habitual comum à data do casamento e, se esta faltar também, a lei da primeira residência conjugal.
3 - Se for estrangeira a lei aplicável e um dos nubentes tiver a sua residência habitual em território português, pode ser convencionado um dos regimes admitidos neste código.

Os quadros mais comuns que encontramos no Brasil são os seguintes:

a)                     Casamento de pessoas que têm a nacionalidade brasileira comum, ainda que um ou ambos sejam também portugueses.
b)                    Casamento de conjuge que é nacional português com cônjuge que é nacional brasileiro, ou que é estrangeiro residente no Brasil.
            Tanto num quadro como no outro se aplica ao regime de bens a lei brasileira, nomeadamente no que ser refere ao regime supletivo de bens, que era o da comunhão geral de bens até à entrada em vigor do Código Civil de 2002 e passou a ser o da comunhão parcial de bens, depois da entrada em vigor deste código.
            Motivo de preocupação é o facto de o Consulado de Portugal no Rio afirmar no seu site que em casamento realizado entre portugueses no exterior prevalece o regime imperativo da separação de bens.
            Seguramente que, em coerência com este entendimento. os funcionários dete consulado estarão a processar registos de casamento celebrados em conformidade com a legislação brasileira, alterando o regime de bens, por relação àquele que rege esses casamentos, o que, para além de ser uma asneira grosseira, prejudica, de forma que pode ser gravíssima, os direitos pessoais dos cônjuges e dos seus sucessores e lança a completa insegurança no tráfico jurídico, pelas implicações que esta questão tem nas relações patrimoniais.
            Agrava o problema o facto de terem desaparecido os livros dos registo civil e de o registo civil português ter passado a ser processado numa base de dados que é praticamente incontrolável e inacessivel, permitindo, por natureza, toda a qualidade de fraudes.
            A informatização do registo civil, tal como foi feita pelas autoridades portuguesas,  deixou de permitir consultas de sequências de registos.
            Deixou de ser possivel verificar os registos que foram feitos, em qualquer repartição durante, por exemplo, determinado mês do ano.
            Antes da reforma era possivel a qualquer pessoa – porque o registo civil tem natureza pública – consultar os livros de registo e verificar, v.g., se os registos de casamento de portugueses celebrados no Rio de Janeiro tinha passado, todos, a ser feitos sob o regime da separação de bens.
Isso deixou, agora de ser possivel, podendo acontecer que o Consulado tenha implementado a asneira anunciada no seu site sem que alguém se aperceba disso.


16/07/2012

sábado, 9 de junho de 2012

Comemoração do 10 de junho de 2012


A comemoração do 10 de junho de 2012


CAMÕES, DEMAGOGIA E XENOFOBIA

Miguel Reis

«... Que eu canto o peito ilustre lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram».

Lusíadas, Canto I

                É conhecida a controvérsia sobre a questão da data da fundação de Portugal. Alguns historiadores dizem que foi fundado em 1139, por declaração unilateral de D. Afonso Henriques. Outros sustentam que o país nasceu, por obra do papa Alexandre III, com a bula Manifestis Probatum, em 1179. A mim e a muitos outros portugueses, ensinaram que Portugal nasceu em 1143.[1]
            Uma diferença de 40 anos não tem uma grande importância para um Estado que tem no mínimo 833 anos e no máximo 873.
            Importante é que não consta que Portugal tenha vivido, durante algum período da sua longa história, uma crise de identidade tão grande como aquela que vive atualmente.
            Continuando, embora, a homenagear o poeta que, ainda que em mera réstea, é o mais importante memorial de um povo que existiu e sempre se renovou, este Portugal, agora travesti europeu, parece querer matar esse povo ou, pelo menos, fazê-lo desaparecer da História, como se vivêssemos uma fantástica réplica da arte fotográfica estalinista.
            Passaram apenas 37 anos sobre a descolonização das principais colónias portuguesas (1975) e 50 anos sobre o conturbado início desse processo, com a ocupação dos territórios do Estado da Índia pelas forças da União Indiana (1961).
            Foi de 463 anos o intervalo entre a chegada de Vasco da Gama a Calecute e a expulsão do representante do governo de Oliveira Salazar, no Estado da Índia.  Mais de metade da idade de Portugal foi passada na Índia; no Brasil, a estadia não foi superior a 322 anos.
            É certo que a presença portuguesa em Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde chegou aos 475 anos, período que foi mesmo ultrapassado em Macau e em Timor. Mas em nenhum desses territórios ela foi tão vincada como na Índia e no Brasil.
            Nunca foi a Europa um espaço de liberdade para os portugueses. A Europa significou sempre guerra, desde o tempo de D. Afonso Henriques, que guerreou a sua própria mãe e o amante Fernão Peres da Trava (1130) até à Guerra das Laranjas (1801) que nos tomou o termo de Olivença e abriu as portas às invasões napoleónicas.
            A nossa liberdade, encontramo-la sempre por via da fronteira marítima, galgando oceanos e construindo um império de cumplicidades com civilizações das mais dispares, império esse que foi abalado na Europa, com a formatação do colonialismo moderno na Conferência de Berlim (1884).
            Olhando a História com o distanciamento que ela merece, é especialmente relevante a necessidade de corrigir a ideia feita de que somos um país de conquistadores.
            Essa ideia não passa de mera bazófia, aliás demonstrada, de forma tão inequívoca por uma sementeira de fortalezas defensivas, espalhadas por todo o Mundo, por onde passaram os portugueses, construídas pelos nossos antepassados para nelas se refugiarem e se reproduzirem. Foi aí que se inventaram as mulatas e os mulatos.
            A grande aventura lusíada não foi a da conquista das terras, mas a da conquista das pessoas, a da sedução dos povos com quem os portugueses se relacionaram, envolvidos numa mística que Camões transformou em poema.
            O peito ilustre lusitano a quem (as fantasias de) Neptuno e Marte obedeceram está em cada um de nós, nos nossos relacionamentos, nessa imensa rede sobre a qual construímos a nossa liberdade, em mais de 500 anos de navegação.
            Somos os indianos da Europa; abusamos da pimenta, por causa desse nosso passado e recriamos, num ror de pequenos gestos, os exercícios que fizemos no Oriente, na África e no Brasil. Mas procuramos fazê-lo, agora, às escondidas, porque parece ser politicamente incorreto, desde que passamos a ser europeus, como se existisse uma povo europeu, num gesto de contrariedade daquela máxima de Voltaire que dizia que au delà des Pyrenées, c'est l'Afrique.
            Nós, os portugueses, sempre fomos um povo, mesmo quando nos protegemos sob diversas bandeiras, como é próprio dos povos dispersos. Fomos, sem nenhuma dúvida, os inventores da plurinacionalidade, de que e encontram os mais antigos vestígios no reino cristão da Etiópia, no século XV, onde acorremos à procura do Preste João.
            Agora ganhamos a mania de que deixamos de o ser, para nos diluirmos num espaço de tragédia, que é esta Europa de europeus, uma Europa de coisa nenhuma, em vez de uma Europa de povos.
            Os Lusíadas, cuja morte se comemora todos os anos em 10 de junho, estão a sofrer o mesmo ataque que sofreu o fado, nos tempos do gonçalvismo.
            Os nossos governantes dividem-se por todo o mundo em sardinhadas acesas à sombra de Camões, como se ele fosse um pescador da Nazaré, sem dele recitarem uma estrofe ou recordarem uma ideia, quando o poeta está mais morto do que vivo.
            Já o mataram nas escolas, com o pretexto de era difícil dividir-lhe as orações, tudo para esconder a questão essencial que é ideológica: a melhor forma de matar um povo é matar quem o cantou.
            É um sinal preocupante, da mesma natureza, mas bem mais preocupante do que o ataque ao fado, de que ele já se recuperou, aliás, com a cambiante de ter deixado de ser nosso para ser da Humanidade.
            O que se mata quando, ainda que em morte lenta, se matam Os Lusíadas é  a liberdade diaspórica que o poeta propagandeia com lógicas de grandeza, de vitória e de glória, que os dignificam em qualquer espaço, desde a ocidental praia lusitana até para além da Taprobana, ao invés da lógica de miséria que a troika tenta impôr a todos os povos do sul, a começar pela Grécia, que está à direita do mapa, acabando, inevitavelmente  em nós, que estamos à esquerda.
            Tudo é uma questão de tempo e de respeito pelo movimento de rotação da Terra.
            A ditadura comemorou o 10 de junho como o "dia da raça", como se fôssemos todos charoleses, nelores, frísios, ou barrosões. Era a mesma lógica da manada que obrigava os portugueses a pedir autorização ao governo para sair do país e definia contingentes de emigração, tratando-os como gado.
            Foram milhões os que partiram, no século passado, em grandes vagas de emigração, primeiro para as Américas e a Austrália e depois para a França e a Alemanha. Fizeram de Paris a maior cidade portuguesa dos anos 60, onde Maria passou a significar concierge.
            Tudo como abre o livro de Ferreira de Castro: Os homens transitam do Norte para o Sul, de Leste para Oeste, de país para país, em busca de pão e de um futuro melhor. Porque, como dizia Torga, eles não cabiam no país que era o seu pequeno berço.
            Os Lusíadas são também o poema da grandeza de ser, por relação à miséria de não ser ou de não ter.
            Deformaram-lhe o sentido louvando-se na raça em vez de se louvarem nas virtudes.
            As pessoas eram, no tempo da ditadura - em boa verdade e contra o espírito do poema, onde sempre são representadas como não cativas -  objeto de exportação, geradora dos invisíveis correntes, com que se equilibrava a balança de pagamentos, segundo os relatórios do Banco de Portugal, que - muitos não sabem - era até ao verão de 1975 um banco privado, não se sabendo ainda hoje de quem é, porque não se desvendou o mistério de saber se foram pagas as indemnização da nacionalização.  
            As polícias prendiam os que tentavam fugir a salto e os que os ajudavam, como se todos os cidadãos estivessem obrigados por uma obrigação passiva universal, que garantisse o cárcere dos demais.
            Foram heróis boa parte dos que partiram, mártires ou desprotegidos da sorte, os outros.
            Depois do 25 de abril, adularam-nos sempre nos períodos de crise, procurando captar-lhes as poupanças, por via dos mais variados artifícios, a começar pelas comendas, mas sempre com um profundo desprezo, como se todos os emigrantes fosse uns atrasados, que pararam no tempo da ditadura e continuam a arrastar-se dentro dos layouts fechados dos corridinhos e dos viras, iguais na indumentária, na dança e na música, ao que eram há 50 anos.
            Há, em Portugal, de forma clara e inequívoca, uma política discriminatória por relação aos portugueses emigrados fora do território da União Europeia.
            Estes - os que residem no território da União - são tratados não como emigrantes, mas como cidadãos europeus, que são, de jure, tal e qual os demais portugueses, que vivem na Austrália ou nos Estados Unidos, no Brasil, na Venezuela, na África do Sul ou na Índia.
            Não há, aparentemente, nenhum mal nesta atitude, embora ela contenha, de forma implícita, uma reação passiva por relação a um projeto de destruição da identidade lusíada, que é parte de um projeto global de destruição da identidade dos povos europeus, como mecanismo essencial para a criação laboratorial de uma identidade europeia, coincidente com - e tão artificial como - a cidadania da União.
            Os soviéticos tentaram fazer o mesmo, mas nunca o conseguiram; e hoje não há soviéticos, como amanhã não haverá europeus se a construção da Europa se fizer na base dos mesmos métodos e das mesmas mentiras.
            Aquilo a que hoje assistimos é apenas... sinal dos tempos. Ainda há uns dias, quando tentava discutir estas questões com um desses jovens espertos que, vendo a desgraça em que está a cair essa coisa a que chamam Europa, se antecipou e deu em deputado, falei d'Os Lusíadas e do vate, sugerindo-lhe que o relessem e lhe dessem atenção. O jovem limitou-se a pedir um VAT69, que eu paguei como uma lição dos tempos que correm.
            Nunca tive a mania das perseguições, nem sequer nos tempos de adolescência, marcados pelos livros de Emílio Salgari, misturados com a nossa História Trágico Marítima  e com a Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto.
            Estou hoje absolutamente convencido de que há, em Portugal, uma política vetorizada para a destruição do povo português, como entidade autónoma, individualizada por via de uma história com quase 9 séculos, por via da sua dissolução num espaço e num conceito semelhante ao conceito soviético: o conceito de povo europeu, que não tem nenhuma realidade e é uma contradição na sua própria essência.
            Explico-vos, sumariamente, em que factos fundamento a minha convicção.

        i.            O discurso político da integração nas comunidades de acolhimento


            Sobretudo após o Tratado de Maastricht (1993), os dirigentes políticos portugueses mataram completamente a ideia do regresso dos emigrantes.
            Essa ideia foi sempre uma ideia mítica dos povos com vocação de emigração, como é o português. Partia-se para enriquecer e voltar, devolvendo-se os ossos no país onde se nasceu.
            Só os desgraçados ou aqueles a quem a sorte traía ficavam sepultados nos destinos.
            Esse mito acompanhou os portugueses durante séculos, enchendo milhares de páginas da nossa literatura e marcando muitos dos nossos escritores.
            Foi assim que nasceram o brasileiro e, mais recentemente, na segunda metade do século XX, o francês, que polvilhou as colinas portuguesas com casas do tipo maison, com janelas tipo fenêtre.
            Esta idiossincrasia do emigrante, contendo uma cultura de grandeza e de sucesso que marca o poema de Camões como elemento estruturante do nosso povo, conduziu sempre a comportamentos engrandecedores das terras de origem de cada um e do país, por iniciativa dos próprios emigrantes ou por via da sedução que, ao seu ego moveram os banqueiros e os políticos ao longo de toda a História.
            Há exemplos disso em todo o Portugal, desde o continente até às ilhas, sendo que são inúmeros os exemplos dos últimos 50 anos.
            Os emigrantes assumiram, sempre, uma papel relevantíssimo no desenvolvimento do país, especialmente no que se refere ao do setor do imobiliário.
            Nas décadas de 70 e 80 do século XX, os governos tomaram em devida consideração esse fenómeno e facilitaram-lhes a vida, com algumas isenções fiscais e com modalidades de crédito bonificado.
            As facilidades e os incentivos que eram dados aos emigrantes para investir em Portugal foram drasticamente reduzidos, como se estivesse a apostar, de forma direta e frontal, na sua substituição pelos estrangeiros, especialmente pelos chineses, que já controlam algumas da principais empresas portuguesas, como é o caso da que tem o monopólio da energia elétrica.
            Em parte por causa disso, temos agora 800.000 unidades de habitação a mais, o que coloca os preços do imobiliário, em termos comparativos, no nível mais baixo dos últimos 200 anos.
            O discurso oficial passou a ser o de que a emigração é um processo sem retorno e o de que os portugueses residentes no estrangeiro devem integrar-se nas sociedades de acolhimento, passando a valorizar-se, de forma especialíssima, mais a intervenção política dos emigrantes nos países em que residem do que a sua intervenção em Portugal.
            O discurso oficial do governo de Passos Coelho, perante um desemprego juvenil que se aproxima dos 30%, aconselha os jovens a partir para o estrangeiro, como se isso fosse um desígnio nacional, num país com uma pirâmide etária muito envelhecida.
            Há qualquer coisa de sinistro neste discurso, em que o desemprego, recentemente qualificado como «coiso» pelo ministro da Economia, é havido não como um mal mas como uma boa oportunidade, especialmente se essa oportunidade for encontrada no estrangeiro.
            Parece haver uma espécie de plano B, para o destino deste pequeno país, que passe por o deixar vago, de forma a que possa ser ocupado por outros.
            A grande mudança política operada pelo governo de Passos Coelho por relação aos que o antecederam, nomeadamente o de José Sócrates, está em que estes afirmavam apostar em políticas de inserção em Portugal das camadas jovens da população, investindo fortemente na educação, no ensino e num plano tecnológico, enquanto o governo social democrata desinveste na educação  tecnológica e aposta na emigração dos jovens.
            A única coisa que têm de comum - movimento que, aliás, tem já vários anos - é o desenvolvimento de ações políticas visando evitar que os portugueses residentes no estrangeiro regressem a Portugal, como se eles, vindo de países mais desenvolvidos, pudessem estorvar.
            Cultiva-se em Portugal, relativamente aos emigrantes, especialmente aos do Brasil - nem sei bem porquê, porque o Brasil foi sempre uma espécie de seguro de vida para Portugal - a ideia de que são mais atrasados, ou são estúpidos ou impreparados, como se tivessem ficado parados no tempo e só Portugal tivesse evoluído.
            É uma ideia injusta, irrazoável  e hipócrita, que só faz sentido se  interpretarmos como resultante de uma estratégia defensiva.
            Desde que a democracia foi restaurada em 1975, sempre os dirigentes político portugueses tiveram medo dos portugueses da diáspora, talvez em razão do peso que, logo a seguir ao 25 de abril de 1975, assumiram os emigrantes na política portuguesa.
            Há alguns anos passou a ser claro que os portugueses do estrangeiro que queiram desenvolver atividade política o devem fazer nos outros países de que também sejam nacionais.
            Os últimos governos têm gasto milhões de euros para apoiar iniciativas que visam a ação política  no estrangeiro de pessoas que também têm nacionalidade portuguesa, apesar de a lei da nacionalidade portuguesa ser expressa, no sentido de que em Portugal, sendo um português binacional, só releva a nacionalidade estrangeira na relação que o cidadão tenha com o outro Estado.
            Um luso-americano só é americano na América, como um luso-francês só é francês em França ou um luso-brasileiro só é brasileiro no Brasil.
            Portugal, em vez de os valorizar como portugueses em Portugal, valoriza-os como políticos da outra nacionalidade nos países de que também são nacionais, como se quisesse afastá-los (ao menos enquanto políticos) da comunidade portuguesa.
            Há situações que, para além de ultrapassarem o campo do ridículo, são manifestamente delicadas, como a que aconteceu, ainda muito recentemente, com a presidente do Parlamento português a intervir junto das autoridades da República Popular da China, em defesa de um traficante de droga chinês, tanto à luz das leis da China como do disposto no artº 28º da Lei da Nacionalidade Portuguesa.[2]
            Esta gente perdeu, há já alguns anos o sentido de identidade, que há séculos nos acompanha e sempre nos distinguiu dos cativos, procurando vender-nos a qualquer preço, como se o retângulo português fosse uma coutada, destinada a uma espécie de macauização, assente na venda aos chineses dos portos de Sines e de Aveiro e nas duas linhas de caminho de ferro por via das quais se cumprirão os caminhos do retorno, agora com produtos chineses.
            Mas para que o projeto de substituição do sudoeste asiático pelo sul da Europa possa realizar-se, numa comunhão de esforços da Europa central com a China, liderada deste lado pela Senhora Angela Merkl, necessário se torna que  os que forem não voltem e que os que estão aqui partam.
            Já tínhamos visto a primeira parte do programa, que se desenvolveu há anos, com uma explosão de panegíricos aos dirigentes luso-descendentes no estrangeiro.
            Estamos agora a ver a segunda parte.
            Alguns antigos ministros do PSD já integram lugares de confiança do comité central do Partido Comunista da China, que hoje controla EDP. Não tardará que aí vejamos personalidades do Partido Socialista.
            Tudo começou pela desvalorização efetiva do papel político dos portugueses no estrangeiro...
            José Lello e António Braga (PS) e, atualmente, José Cesário (PSD) são exemplos expressivos dessa linha política que, em síntese, aproveita a valorização do protagonismo dos portugueses noutros países para os afastar do destino português e os desvalorizar como portugueses.
            Apesar de a Constituição garantir que os portugueses residentes no estrangeiro são tão portugueses como os demais, a verdade é que eles nunca tiveram uma efetiva representação parlamentar, apesar de as leis eleitorais terem reduzido o princípio da representatividade a uma miséria de 5 deputados para um universo que, unanimemente, é de, pelo menos 5 milhões de cidadãos.
            Os outros 10 milhões, que são só o dobro têm 225 deputados, num conjunto de 230.
            Ou seja: enquanto um deputado do continente e das ilhas representa 44.444 cidadãos um deputado da emigração representa 1.000.000 de cidadãos.
            Significa isso que cada português emigrante vale, em termos políticos, apenas 22% de um português residente em qualquer parte do território que ainda é considerado território português.
            Até esses 5 miseráveis representantes dos emigrantes foram confiscados pelas centrais partidárias para os seus funcionários metropolitanos.

     ii.            O tratamento colonial das comunidades da diáspora


            As comunidades portuguesas da Diáspora continuam a ser tratadas numa ótica colonial, com um completo vazio de ideias e uma completa falta de informação, como se se estivesse a preparar uma «descolonização» de que já há sintomas claros e inequívocos.
            Em vez de incentivar a vida associativa, riquíssima, nomeadamente no plano das trocas culturais, o Estado tudo tem feito para reduzir essa vida associativa ao folclore, que tem um valor extraordinário como repositório de memórias estereotipadas, mas é extremamente redutor de tudo o que seja atividade intelectual e acaba por se transformar num elemento canibal da cultura, da política e da intervenção cívica.[3]
            É importante que se deixe claro que o folclore tem uma importância extraordinária na vida das nossas comunidades da diáspora, como repositório de artes e de memórias. Mas que ele importa consigo o perigo de matar toda a vegetação que queira crescer ao lado, porque, por natureza é imutável nos seus estereótipos, nada se distinguindo quando está ao serviço da democracia ou da ditadura.
            Aprendemos isso tanto com as experiências das ditaduras europeias como com experiência das ditaduras asiáticas, nomeadamente da soviética e da chinesa.
            A grande vantagem do folclore é a normalização da qualidade dos líderes a quem os espetáculos são oferecidos. Não há diferença nenhuma, sem prejuízo da qualidade dos dançarinos, entre o vira dançado para Marcelo Caetano, José Lello ou José Cesário, sendo certo que também não é diferente a atitude de qualquer deles por relação à dança.
            O correto e o decente seria que os dirigentes políticos não se aproveitassem desta realidade e procurassem ter respeito pelos seus concidadãos, catalisando o desenvolvimento de outras atividades.

   iii.                        A xenofobia no tratamento dos familiares estrangeiros de nacionais portugueses
 

            Apesar de em 2006 se ter desenvolvido um profundo debate sobre as questões da cidadania, conexas com as problemáticas da diáspora - que deu origem à Lei Orgânica nº 37/81, de 3 de outubro, o Governo português e o Ministério Público continuam a adotar políticas racistas e xenófobas, que ofendem os princípios estruturantes dessa importante lei.
            As leis portuguesas garantiram, desde sempre, o acesso à nacionalidade portuguesa às mulheres que casavam com portugueses e aos filhos menores que estas tivessem antes do casamento.
            Foi com esse espírito agregador das famílias que se construiu este povo, nos últimos 500 anos, marcado pela mescla de raças e culturas, cantada por um Camões, agora defunto - e de quem, por isso mesmo (ou por mero ignorância...) ninguém fala.
            A Lei da Nacionalidade de 1981 (Lei nº 37/81, de 3 de Outubro) passou a garantir o direito de acesso à nacionalidade portuguesa por parte dos cônjuges estrangeiros de nacionais portugueses, independentemente do sexo.
            Em 1994 - era primeiro-ministro o Prof. Cavaco Silva - foi publicada a Lei nº 25/94, da iniciativa do Governo, que passou a exigir que tanto os cônjuges estrangeiros de nacionais portugueses como os filhos menores dos que a adquirissem a nacionalidade portuguesa fizessem prova de uma ligação efetiva à comunidade nacional, não definindo, porém, talvez por incapacidade intelectual do legislador, o que era essa «ligação efetiva».
            Ao longo de anos, os tribunais «inventaram» e definiram conceitos que são absolutamente racistas e xenófobos, como se tivesse passado a ser exigível que os cônjuges e os filhos menores, de nacionalidade estrangeira, casados com nacionais portugueses tivessem que fazer uma espécie de prova de virgindade, para poderem aceder à nacionalidade portuguesa.
            Essa exigência e, sobretudo, a interpretação que lhe foi dada pelos tribunais começou a suscitar problemas de constitucionalidade e problemas de respeito tanto pela Convenção Europeia sobre a Nacionalidade como por diversas convenções internacionais sobre eliminação de formas de discriminação racial[4].
            Por isso - e especialmente porque a exigência do artº 9º da Lei da Nacionalidade, no que se refere às exigências de prova de ligação à comunidade nacional por parte dos cônjuges dos portugueses e dos filhos menores dos que adquirissem a nacionalidade portuguesa era frontalmente ofensiva de normas constitucionais e da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade - foi alterado esse normativo, no sentido de deixar de ser exigível a apresentação de provas de ligação à comunidade nacional, passando a ser possível a oposição à aquisição da nacionalidade apenas quando o Ministério Público provasse «a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional.».
            A Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de abril, entrou em vigor no dia 15 de dezembro de 2006 e, em vez de se reduzir o número de processos de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por parte de familiares de nacionais portugueses, esse número tem vindo a crescer.
            Isso acontece não por força da lei, mas em consequência de instruções do Governo, que é a entidade que tutela o Instituto dos Registos e do Notariado, o qual, por sua vez, controla a Conservatória dos Registos Centrais.
            Com exceção dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo[5] - independentemente do sexo - a Conservatória dos Registos Centrais pede ao Ministério Público que promova a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa na maioria dos casos que lhe são apresentados.
            Tratando-se de uma instituição que é controlada pelo Governo, esta atitude só se compreende em consequência de instruções governamentais, do mesmo modo que só se compreende a promoção da oposição pelo Ministério Público em razão de instruções enviadas pela cadeia hierárquica.
            Para além da ingerência do Estado na constituição das famílias, em que este tipo de oposição redunda, é absolutamente chocante a estrutura racista e xenófoba das intervenções, que ofende, sem nenhuma dúvida princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa e convenções internacionais a que Portugal aderiu.
            Por regra, a argumentação da Conservatória dos Registos Centrais e Ministério Público é no sentido de que os estrangeiros que pretendem adquirir a nacionalidade não são residentes em Portugal, não conhecem a história de Portugal e as suas idiossincrasias, tendo uma ligação cultural e sociológica especialmente relevante por relação a outra sociedade e a outro país.
            Não conheço um único caso em que se tenha feito alguma averiguação, razão pela qual comparo estes processos aos da Santa Inquisição, em que bastava o promotor dizer que o réu era infiel, para ele poder ser passado pelas brasas.
            Mas o mais chocante é que, em, pelo menos, metade das situações, a ligação cultural e sociológica do requerente a Portugal, nos termos assim configurados, é igual à do cônjuge português ou do progenitor que adquiriu a nacionalidade portuguesa.
            Os quadros em que são manifestamente inequívoco o racismo e a xenofobia das autoridades portuguesas são os seguintes:
·         A oposição à aquisição da nacionalidade requerida por cônjuges de nacionais portugueses que,  para além do sangue, não têm quaisquer outras ligações a Portugal e à comunidade portuguesa que os distingam do candidato à nacionalidade.
      É o caso, por exemplo, de uma brasileira que casa com um português de origem , porque filho de português de origem, mas que já pertence à 3ª geração nascida no Brasil...
      Só uma lógica racista e xenófoba justifica que se considere esta mulher uma marginal, mesmo que ela tenha, para além do marido português, dois ou três filhos, que, sendo embora portugueses de 4ª geração, são também portugueses de origem.
·         A oposição à aquisição da nacionalidade por parte de crianças, filhas dos que adquiriram a nacionalidade portuguesa.
            Este é um quadro ainda mais chocante, que nos magoa especialmente porque defendemos crianças,muitas com menos de 10 anos, em dezenas de casos com esta tipologia.
            Imagine-se, por exemplo, que um estrangeiro ou uma estrangeira, com um ou dois filhos menores, casa com um nacional português.
            Ou imagine-se que um neto de cidadão português só recentemente descobriu que tem direito à nacionalidade portuguesa e a peticiona, pretendendo, depois, peticionar a aquisição da nacionalidade para os seus filhos, de 2 e 3  anos.
            A lei prevê, sem nenhuma condição, que os filhos menores ou incapazes dos que adquiram a nacionalidade portuguesa também a possam adquirir, mediante declaração de vontade feita pelos seus legais representantes.
            Esse direito caduca quando os menores adquirem a maioridade, só podendo ser exercido, pela natureza das coisas, pelos representantes legais do menor, durante a menoridade.
            Também nestes casos, mesmo que se trate de crianças de 2 ou 3 anos, é sistemática a propositura pelo Ministério Público de ações especiais de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, requerida pelos menores estrangeiro, representados pelos seus progenitores, o que também só se compreende por razões de xenofobia.
            Apesar de terem perfeita consciência desta barbaridade, a verdade é que os últimos dois governos (o do José Sócrates e o de Passos Coelho), que são os que governaram após a Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de abril, têm, rigorosamente a mesma política racista e xenófoba relativamente a esses grupos de cidadãos estrangeiros que integram as famílias portuguesas.
            Apesar da alteração do artº 9º da Lei da Nacionalidade, todos os consulados de Portugal continuam a exigir a tal prova de ligação a comunidade nacional, coisa que é muito mais exigente do que a declaração de que não era comunista, apresentada pelo Prof. Cavaco Silva na antiga Polícia Política.
            Estas instruções e estas atitudes dos serviços (desde os Consulados à Conservatória dos Registos Centrais e à Procuradoria Geral da República) só podem entender-se como processadas em obediência a instruções hierarquizadas, que têm, por natureza, uma motivação política.
            Essa motivação política, óbvia e manifesta, tem como teleologia a destruição das famílias portuguesa e a criação de um espírito de dissolução nas comunidades de acolhimento, por via da rejeição da qualidade de nacional português, por reação a tal ofensa.
            A esse propósito é especialmente expressivo que escreve o PROF. MOURA RAMOS, atual presidente do Tribunal Constitucional português, a propósito dos normativos relativos à oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: O instituto da oposição aparece (...) concebido como que em termos de resposta orgânica do tecido social organizado à invasão de agentes poluidores que se entende devam ficar arredados do corpus social nacional.(...) Justifica-se (...) que a oposição só possa ser deduzida em circunstâncias que indiciem de alguma forma a indesejabilidade de quem pretenda adquirir a nacionalidade portuguesa.»
            Ora, o que os dois últimos governos fizeram foi, pura e simplesmente dar instruções aos serviços para considerar indesejáveis todos os cônjuges de nacionais portugueses e filhos menores dos que adquiram a nacionalidade portuguesa, especialmente se forem de países terceiros (ou seja de países não europeus), o que, em termos estratégicos, beneficia a mesma lógica de assimilação destruição do povo português por um povo artificial, neo-soviético, a que se chama de «europeu».


   iv.                        A inexistência de arquivos em Portugal dos atos relativos aos portugueses residentes no estrangeiro
 

            O maior golpe nessa ideia de povo lusíada - cuja morte agora se comemora em 10 de junho - foi iniciado pelo governo de José Sócrates e está a ser meticulosamente continuado pelo governo de Pedro Passos Coelho.
            Trata-se da destruição dos arquivos relativos ao registo civil dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro.
            Durante séculos, os registos relativos à vida civil das pessoas foram organizados pela Igreja católica.
            A I República instituiu o registo civil como uma das primeiras garantias de cidadania, implantando um sistema de registo civil perfeito e  eficaz, que assimilou os livros dos registos canónicos.
            Os consulados de Portugal, sendo estruturas muito frágeis, nunca mereceram a confiança dos governantes, por ser manifesto, tanto antes como  agora, que não há as mínimas condições para os inspecionar nem condições financeiras para os dotar de conservadores de registo civil.
            Por isso mesmo, os consulados sempre foram - e apenas foram sempre - «órgãos especiais» do registo civil que «a título excecional podem desempenhar funções de registo civil» (artº 9º do Código do Registo Civil).
            Tanto quanto é do meu conhecimento não há nenhuma repartição consular portuguesa no mundo que tenha no seu quadro um conservador do registo civil ou sequer um funcionário qualificado para o exercício de funções de registo civil.
            Os consulados não têm competência própria para o processamento de atos de registo civil nos termos do Código do Registo Civil.
            Todavia processam-nos e diluem completamente a sua responsabilidade por via de um sistema de gestão completamente anacrónico e irresponsável, que conduz a que os registos processados, de facto, nos consulados, sejam introduzidos na base de dados do registo civil (SIRIC) como se o tivessem sido numa das múltiplas repartições de registo civil distribuídas pelo território português, sem que tenha a mínima conexão com ela e sem que o respetivo funcionário ou o conservador possam verificar os documentos de suporte.
            O governo português viu-se obrigado, há uns anos, a centralizar a emissão de passaportes, porque o passaporte português tinha perdido toda a credibilidade, perante o volume de falsificações que era operado.
            A transformação dos consulados em verdadeiros postos de registo civil agrava, de forma muito substancial, os riscos de falsificação de documentos e de perda de identidade, pois que os documentos de suporte dos registos deixaram de ser arquivados em Portugal.
            Não são conhecidos até hoje, porque não foram divulgados, os níveis de segurança do acesso ao sistema informático do registo civil.
            Apesar de termos questionado os responsáveis, não conseguimos saber até hoje como pode esclarecer-se quem assinou determinado ato de registo, não sendo claro se os atos processados eletronicamente são ou não assinados digitalmente.
            A nosso ver, a falta de assinatura eletrónica num registo digital implica a sua nulidade. E esta nulidade pode muito bem ser uma nulidade preparada, de forma estratégica, para eliminar os portugueses residentes no estrangeiro.
            A verdade - verdade sublime de que ninguém quer que se fale - é que os dois últimos governos tudo têm feito para evitar que os portugueses residentes no estrangeiro tenham os documentos que lhe respeitem em Portugal.
            Mais grave do que isso é que ambos tenham alijado completamente as responsabilidades.
            O governo de José Sócrates procedeu a duas alterações importantíssimas do Código do Registo Civil.
            O artº 17º , 1 desse Código passou a determinar a destruição imediata de todos os documentos que foram digitalizados, o que, a um tempo, impede completamente a demonstração de uma falsificação e, em simultânio,  permite usar o documento destruído para multiplicar documentos falsos.
            O artº 15º determina que quando se destruir algum suporte digital que contenha atos de registo deve o mesmo ser reconstituído, nos termos de portaria aí anunciada. A portaria em causa tem o nº 1119/2009, de  25 de setembro e lança toda a responsabilidade da reconstituição para os ombros dos interessados.
            Ou seja: se o interessado não tiver documentos de suporte dos registos desaparecidos não  poderá reconstituir o registo.
            Tudo isto é agravado pelo facto de nunca se saber - ser impossível de saber - a que conservatória foi afeto o registo desaparecido, porque ele tanto podia ser de Caminha como de Vila Real de Santo António.

      v.            Está tudo preparado para poder acabar com a diáspora portuguesa a qualquer momento
           

            A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 10 de dezembro de 1948, já previa, no seu artº 13º que «toda a pessoa em o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado», bem como «o direito de abandonar o país em que se encontra e o direito de regressar ao seu país.»
            O artº 15º da mesma Declaração Universal garante que «todo o indivíduo tem o direito de ter uma nacionalidade» e «ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade».
            Apesar disso, todos sabemos que muitos Estados, nomeadamente Portugal, não respeitam estas regras.
            Portugal «assassinou» em massa milhares de portugueses nos últimos 60 anos.
            O primeiro «assassinato» em massa aconteceu em 1957, com a publicação do Decreto nº 40980, de 17 de janeiro, que mandou limpar dos registos dos consulados e das conservatórias do registo civil os nomes das pessoas que, no prazo de um ano não requeressem ao Ministro da Justiça a ratificação da nacionalidade portuguesa.
            O segundo «assassinato» em massa diz respeito aos portugueses de Goa e seus descendentes que, após mais de 50 anos, continuam a ver recusados pedidos de reconhecimento de identidade que são inequívocos.
            O terceiro «assassinato» em massa ocorreu no processo de descolonização. Há pessoas que eram portuguesas, que nunca quiseram adquirir as nacionalidades dos novos países e que ainda hoje lutam pela nacionalidade contra a apatridia.
            O quarto «assassinato» em massa começou com a publicação discreta , sem ser acompanhada por uma campanha de informação do Decreto-Lei nº 438/88, de 29 de novembro.
            Este diploma, que alterou o regime da emissão de passaportes passou a exigir a apresentação de bilhete de identidade para quem pretendesse requerer passaporte, sem, porém, reconhecer as matrículas consulares e mesmo as certidões depositadas nos consulados como meio de prova da identidade ou da qualidade de portugueses.
            Em 1988, mesmo em Portugal, havia um grande número de portugueses que não tinha bilhete de identidade era muito difícil obter um bilhete de identidade no estrangeiro.
            milhares e milhares de portugueses  perderam a sua identidade e passaram a ser não ser reconhecidos como portugueses pelas autoridades nacionais embora continuassem a sê-lo pelos os países estrangeiros, onde residem. Alguns deles represento-os nos tribunais portugueses, onde o Estado não reconhece os próprios, documentos que emitiu.[6]
            Ninguém admitiria como possível que Estado Português pudesse alguma vez, nos dias que correm, dizer que não são portugueses cidadãos que, durante anos e anos o mesmo Estado português  reconheceu como seus nacionais.
            Não falo já dos portugueses de Malaca, alvos da primeira grande chacina, ou dos de Hiroshima, para cujo desaparecimento serviu de justificação da bomba atómica.
            Falo, especialmente, dos do Paquistão, onde continua envolto em mistério o destino dos arquivos do consulado de Carachi e da secção consular da Embaixada de Portugal em Islamabad.
            Falo dos de Hong Kong, cujos arquivos também foram para destino desconhecido.
            Mas falo também dos de Santos, porque não se sabe para onde foram os arquivos do que foi o mais antigo consulado de Portugal no Brasil, desconhecendo-se também que destino tiveram os papéis do Consulado de Portugal em São Paulo,  que não se encontram nas atuais instalações.
            Imagino o que aconteceria se não houvesse arquivos em Portugal, como deixou de haver.
            Está tudo preparado para acabar de matar o poeta e queimar Os Lusíadas, acabando com este povo.
            Porque não há povos sem memória. Tudo o resto é pura demagogia.

           


             



[3]  A única iniciativa do atual secretário de Estado das Comunidades, José Cesário, relativa a uma das mais importantes comunidades da diáspora, a de São Paulo, foi a da promoção de uma mini seminário sobre folclore, ao qual alocou dois reputados especialistas. Sou um velho defensor do folclore português e dos rigor do tratamento dos respetivos layouts, mas considero inaceitável que se use o folclore à soviética, como forma de eliminar o pensamento.
[4] Nomeadamente a  Convenção Internacional sobre eliminação de todas as formas de discriminação racial, aprovada pela Lei nº 7/8, de 29 de abril.
[5] Portugal admite o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Publicamos um pequeno livro sobre essa matéria, que pode adquirir-se na editora Smashwords, em formato eletrónico. Não conhecemos um único caso de oposição do Ministério Público à aquisição da nacionalidade por cônjuge ou companheiro de nacional português que seja do mesmo sexo.
[6]  Vou publicar brevemente documentos que detalham esta situação