Alguns diplomatas portugueses não se deram bem com a reforma da Lei da Nacionalidade Portuguesa operada em 1981, que garantiu, de forma ampla, a possibilidade de os descendentes diretos de nacionais portugueses poderem ver atribuída a nacionalidade portuguesa.
Segundo noticias publicadas em dois prestigiados jornais indianos, o
The Economic Times a e o
The Times of India, Embaixada de Portugal em Nova Deli recomendou ao governo português que deixe de reconhecer a nacionalidade portuguesa aos cidadãos nascidos nos territórios de Goa, Damão e Diu, antes de os mesmos terem passado a integrar o território da República da India, em 1961.
Uma tal proposta é objetivamente discriminatória, porque Portugal reconhece o direito à nacionalidade portuguesa originária aos filhos de nacionais portugueses, nascidos no estrangeiro, sem nenhuma limitação.
Não há nenhuma razão para discriminar os que nasceram no Oriente em geral e na India em particular.
A única justificação plausível é a de alguém pretender criar dificuldades para, por essa via, catalizar um escandaloso negócio, desenvolvido, especialmente por procuradores ilícitos que negoceiam favores e valores para a atribuição de passaportes portugueses.
A nacionalidade portuguesa não pode ser um negócio, nem da India nem China.
Tem que ser um exercício rigoroso de direitos, que não se compadece com ações verdadeiramente terroristas como as que estão por detrás destas noticias.
A jornalista Devika Sequeira, do Times of India, pediu o meu depoimento.
Reproduzo a entrevista:
Segundo
alguns jornais indianos, a Embaixada de Portugal na Índia recomendou ao Governo
Português que “deixe de conceder a nacionalidade portuguesa” às pessoas
nascidas nos territórios de Goa, Damão e Diu antes de 20 de dezembro de 1961.
Esta recomendação
respeita a Constituição Portuguesa ?
Eu não acredito que algum diplomata português pudesse fazer
uma recomendação desse tipo. Só posso encarar essa notícia como falsa. Se ela
fosse verdadeira, eu defenderia que esse diplomata fosse, pura e simplesmente
demitido, porque estaríamos perante um ignorante.
A chamada “questão da Índia” é das mais interessantes de toda
a História de Portugal.
Muito mais do que uma questão política é uma questão afetiva.
E isso teve uma enorme repercussão nas nossas leis. Nós, os Portugueses, somos
os indianos da Europa. Somos caldeados com pimenta e vinho. E temos muito
orgulho nisso.
Os “indianos” – como sempre chamamos aos portugueses de Goa,
Damão e Diu – nunca foram indígenas. Sempre foram tão cidadãos de pleno
direito, como os de Lisboa ou de Coimbra.
Em termos civilizacionais recebemos muito mais da Índia do que
aquilo que demos.
Os cidadãos das colónias portuguesas da Índia nunca sofreram
as limitações de cidadania sofridas pelos povos das outras colónias
portuguesas.
Quando em 1975 se fechou o ciclo colonial, a lei conferiu aos
descendentes dos cidadãos nascidos em Goa, Damão e Diu os mesmos direitos que
têm os descendentes das pessoas nascidas em Portugal.
Essa situação está absolutamente estabilizada e só alguém com
mentalidade xenófoba e racista pode pretender alterar essas leis 40 anos
depois.
Não há nenhuma razão para discriminar negativamente os
descendentes dos que nasceram em Goa, Damão e Diu por relação aos descendentes
dos que nasceram em Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, Macau ou Timor. Ou
por relação aos descendentes de portugueses nascidos no Brasil, nos Estados
Unidos ou na Austrália.
Se uma medida deste tipo viesse a ser adotada estaríamos
objetivamente perante uma violação grosseira do artº 13º,2 da Constituição, que estabelece que “ninguém pode ser
privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento
de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de
origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação
económica, condição social ou orientação sexual.”
O que se pretenderia, segundo essa recomendação, seria vedar a
um grupo de pessoas, as descendentes dos nascidos em Goa, Damão e Diu, direitos
que são assegurados aos descendentes dos nascidos nas demais ex-colónias e, em
geral, aos descendentes dos portugueses nascidos no estrangeiro.
Há um elemento racista nesta recomendação?
Não acredito que a recomendação exista. Mas se existir tenho
que concluir que ela tem uma base racista.
Não ouvi nenhum diplomata, alguma vez, sustentar que deve ser recusado o
acesso à nacionalidade portuguesa aos descendentes de portugueses nascidos nos
Estados Unidos, no Reino Unido, no Brasil, na França ou na Alemanha, só para
dar alguns exemplos. Como não ouvi essa recomendação relativamente aos nascidos
em Angola, a partir do momento em que Angola afirma prosperidade.
Diplomaticamente, como é
que este assunto fica entre os dois países: Índia e Portugal
Como já disse, penso que isto é um “no case”. Não acredito que
algum diplomata português ousasse ter uma posição como a referida, que ofende a
dignidade das pessoas visadas e reabre uma guerra estúpida e inútil.
É óbvio que falar-se disto a partir da Índia justifica, no
mínimo, atento o prestígio dos jornais que publicaram as noticias, que o
Governo indiano chame o embaixador português e lhe peça explicações.
Apesar da Índia não aceitar a dupla nacionalidade, há dezenas
de milhares de PIO (persons of indian origin) no território da India, que têm
direitos e merecem explicações.
A República a Índia sempre tratou a chamada questão de Goa com
uma grande sabedoria e sem radicalismos. Os indianos têm-se afirmado muito mais
sábios do que os portugueses.
No que se refere à questão da nacionalidade, conferiram a
nacionalidade indiana a todos os cidadãos nascidos naqueles territórios, logo
após a libertação. Mas nunca impuseram a perda da nacionalidade portuguesa a
nenhum desses cidadãos.
Quem quiser afirmar-se português no território da Índia tem
que aceitar a renuncia à nacionalidade portuguesa, sem prejuízo de poder ter o
estatuto de PIO. Mas o mesmo acontece, por outra via, num certo sentido aos
indianos que também sejam portugueses, no território português. Em Portugal
eles são apenas portugueses e na União Europeia são apenas europeus.
Tanto Portugal como a Índia ganham com a dupla nacionalidade
dos seus cidadãos. Essa qualidade é a melhor fórmula que temos para celebrar
relações com mais de 500 anos.
Por isso me parece que a recomendação referida pelos jornais,
a existir é uma manifestação de estupidez, absolutamente inaceitável.
Os senhores diplomatas deveriam era preocupar-se com as
falsificações de documentos e a corrupção, que é evidente e notória.
Miguel Reis