COMENTÁRIOS AO SITE
DO
CONSULADO GERAL DE
PORTUGAL NO
RIO DE JANEIRO
O site do Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro é
um repositório de asneiras técnico-juridicas, que merecem um breve comentário.
Lê-se, logo a abrir, sob a epigrafe de “atualização do
estado civil” esta autêntica preciosidade:
Os casamentos ou óbitos
dos portugueses, mesmo os ocorridos no estrangeiro, têm por lei, de ser
comunicados (transcritos) ao registo civil português.
Essas transcrições são
averbadas nos respectivos assentos de nascimento, ou casamento, do nacional
português(a).
As referidas
transcrições são indispensáveis para os filhos obterem a nacionalidade
portuguesa e documentos como, passaporte, cartão de cidadão, etc., possam ser
emitidos com o estado civil correcto e com as eventuais alterações de nome por
efeito do casamento.
Porém, os consulados
portugueses não podem efectuar a averbação dos divórcios e separações
decretados por sentença estrangeira. Esta averbação terá de ser promovida pela
via judicial, em Portugal. (...)
Atenção: os interessados
na averbação de divórcio ou separação terão de solicitar primeiro a transcrição
do respectivo casamento no consulado.
A transcrição deve ser
requerida pelos nubentes (se estiverem vivos).
Neste caso podem
solicitar ao mesmo tempo o respectivo Cartão de Cidadão;
Caso os nubentes sejam
falecidos, a transcrição pode ser requerida por um parente próximo (filho ou
neto).
Atenção: Em casamento
realizado entre portugueses no exterior prevalece o regime imperativo da
separação de bens. Porém, se os nubentes optarem por outro regime de bens,
deverão proceder antes ao processo preliminar de publicações para casamento.
Não se pode falar, nem com rigor nem com propriedade, de
“atualização do estado civil”.
O estado civil é o que é, em função dos ordenamentos
jurídicos que o regulam; e, por isso mesmo, nunca está desatualizado.
O que pode estar desatualizado é o registo civil que,
segundo a lei portuguesa portuguesa é obrigatório relativamente aos seguintes
factos:
(...)
a) O nascimento;
b) A filiação;
c) A adopção;
d) O casamento;
e) As convenções antenupciais e as alterações do regime de bens
convencionado ou legalmente fixado;
f) A regulação do exercício do poder paternal, sua alteração e
cessação;
g) A inibição ou suspensão do exercício do poder paternal e as
providências limitativas desse poder;
h) A interdição e inabilitação definitivas, a tutela de menores
ou interditos, a administração de bens de menores e a curadoria de
inabilitados;
i) O apadrinhamento civil e a sua revogação;
j) A curadoria
provisória ou definitiva de ausentes e a morte presumida;
l) A declaração de insolvência, o indeferimento do respectivo
pedido, nos casos de designação prévia de administrador judicial provisório, e
o encerramento do processo de insolvência;
m) A nomeação e cessação de funções do administrador judicial e
do administrador judicial provisório da insolvência, a atribuição ao devedor da
administração da massa insolvente, assim como a proibição da prática de certos
actos sem o consentimento do administrador da insolvência e a cessação dessa
administração;
n) A inabilitação e a inibição do insolvente para o exercício
do comércio e de determinados cargos;
o) A exoneração do passivo restante, assim como o início e
cessação antecipada do respectivo procedimento e a revogação da exoneração;
p) O óbito;
q) Os que determinem a modificação ou extinção de qualquer dos
factos indicados e os que decorram de imposição legal.
É o que dispõe o artº 1º, 1 do Código do Registo Civil,
que no seu nº 2 determina que “os factos respeitantes a estrangeiros só estão sujeitos a registo
obrigatório quando ocorram em território português.”
Relativamente aos
portugueses – ainda que plurinacionais e não residentes em Portugal – é
obrigatório o registo de todos os atos acima identificados, podendo o registo
ser requerido por qualquer pessoa que tenha nisso interesse legítimo.
Não é correto
falar de atualização ou desatualização do estado civil.
Do que deveria
tratar-se – e nisso os consulados deveriam ter uma função pedagógica – é de difundir a ideia de que há
um conjunto de atos que estão obrigatoriamente sujeitos a registo civil em
Portugal, sob pena de não se poder fazer prova dos mesmos.
Dispõe, a propósito o
artigo 2.º do
Código do Registo Civil que, salvo disposição legal em contrário, os factos
cujo registo é obrigatório só podem ser invocados depois de registados,
determinando o artº 3º que aprova resultante do registo civil quanto aos factos
que a ele estão obrigatoriamente sujeitos e ao estado civil correspondente não
pode ser ilidida por qualquer outra, a não ser nas acções de Estado e nas
acções de registo.
Os factos registados não podem ser impugnados em
juízo sem que seja pedido o cancelamento ou a rectificação dos registos
correspondentes (artº 3º) e, em coerência com esse normativo, a prova dos factos sujeitos a registo só pode
ser feita pelos meios previstos neste Código.
Nos termos das normas de direito internacional
privado do direito português é aplicável a lex
cives (a lei portuguesa,
relativamente aos portugueses) na generalidade das questões de família e das
questões sucessórias, ao contrário de quadros idênticos do direito brasileiro,
em que releva a lex domicili.
Reduzir toda essa problemática à questão da
necessidade para os filhos obterem
a nacionalidade portuguesa e documentos como, passaporte, cartão de cidadão,
etc. é uma enormíssima asneira.
A falta do registo de
factos sujeitos a registo obrigatório têm consequências na esfera juridica da
pessoa a que tal falta se refere, faltas essas que podem ser importantes para o
estabelecimento de presunções, mas que não são, de todo, determinantes de
outras consequências não previstas na lei.
A título de mero
exemplo, a falta de transcrição de um casamento de português celebrado no
estrangeiro não prejudica o estabelecimento da filiação, implicando apenas a
ineficácia de tal casamento na ordem jurídica portuguesa, sem prejuizo da
obrigação do processamento de tal registo.
O que o consulado deveria promover era o
aconselhamento dos nacionais portugueses para o processamento do registo dos
factos sujeitos a registo obrigatório.
Em chamada de atenção diz o Consulado de
Portugal no Rio de Janeiro que os
interessados na averbação de divórcio ou separação terão de solicitar primeiro
a transcrição do respectivo casamento no consulado.
Estamos, manifestamente,
perante uma gostosa anedota sobre portugueses.
Não é preciso ser
jurista para compreender que não se pode pretender o registo de um divórcio ou
de uma separação judicial se o casamento não foi registado.
Logo a seguir, surgem
duas terriveis boutades:
“A transcrição deve ser
requerida pelos nubentes (se estiverem vivos).
Neste caso podem
solicitar ao mesmo tempo o respectivo Cartão de Cidadão;
Caso os nubentes sejam
falecidos, a transcrição pode ser requerida por um parente próximo (filho ou
neto).”
Para além de se misturarem alhos
com bugalhos, parece-nos que a informação prestada aos utentes é manifestamente
errada.
Não se alcança como é possivel pedir, ao mesmo tempo,
proceder ao pedido do registo do casamento celebrado no estrangeiro e fazer
declaração para pedido de cartão de cidadão, contendo, necessariamente a
afirmação de factos que não pode invocar-se, qua tale, nos termos das referidas
disposições do Código do Registo Civil.
Estamos, a um tempo, perante o total abandalhamento do
rigor jurídico e o tratamento dos residentes no estrangeiro como cidadãos de
segunda categoria, a quem se não exige o mesmo que aos da metrópole.
De outro lado, não tem nenhum fundamento jurídico a
afirmação de que a transcrição do casamento celebrado no estrangeiro só pode
ser solicitada pelos nubentes, se forem vivos, ou por filhos ou netos se os nubentes forem
falecidos.
A transcrição pode ser requerida por qualquer pessoa que
tenha interesse legítimo no registo, nomeadamente, v.g., por um credor que
pretenda, obter com o registo condições para a execução dos bens de qualquer
dos cônjuges e, para isso, precise de demonstrar que há um casamento com
eficácia em Portugal.
No caso de os cônjuges serem vivos, nada obsta a que os filhos ou os netos requeiram a
transcrição do casamento, a fim de beneficiarem dos efeitos de tal registo.
Afirma-se, ainda, no referido site que “em casamento realizado entre portugueses no
exterior prevalece o regime imperativo da separação de bens. Porém, se os
nubentes optarem por outro regime de bens, deverão proceder antes ao processo
preliminar de publicações para casamento.”
Estamos, também aqui, perante uma asneira grosseira.
Ao casamento celebrado por portugueses no estrangeiro
aplica-se a lei do local da celebração, em conformidade com o disposto no artº
50º e seguintes do Código Civil português.
No que se refere ao regime de bens, rege, no essencial o diposto
no artº 53º do Código Civil, que dispõe o seguinte:
1 - A substância e
efeitos das convenções antenupciais e do regime de bens, legal ou convencional,
são definidos pela lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração do
casamento.
2 - Não tendo os
nubentes a mesma nacionalidade é aplicável a lei da sua residência habitual
comum à data do casamento e, se esta faltar também, a lei da primeira
residência conjugal.
3 - Se for
estrangeira a lei aplicável e um dos nubentes tiver a sua residência habitual
em território português, pode ser convencionado um dos regimes admitidos neste
código.
Os quadros mais comuns que encontramos no Brasil são os seguintes:
a)
Casamento de pessoas que têm a nacionalidade brasileira comum,
ainda que um ou ambos sejam também portugueses.
b)
Casamento de conjuge que é nacional português com cônjuge que é
nacional brasileiro, ou que é estrangeiro residente no Brasil.
Tanto num quadro
como no outro se aplica ao regime de bens a lei brasileira, nomeadamente no que
ser refere ao regime supletivo de bens, que era o da comunhão geral de bens até
à entrada em vigor do Código Civil de 2002 e passou a ser o da comunhão parcial
de bens, depois da entrada em vigor deste código.
Motivo de preocupação é o facto de o Consulado de
Portugal no Rio afirmar no seu site que em casamento realizado entre portugueses no exterior prevalece o regime
imperativo da separação de bens.
Seguramente
que, em coerência com este entendimento. os funcionários dete consulado estarão
a processar registos de casamento celebrados em conformidade com a legislação
brasileira, alterando o regime de bens, por relação àquele que rege esses
casamentos, o que, para além de ser uma asneira grosseira, prejudica, de forma
que pode ser gravíssima, os direitos pessoais dos cônjuges e dos seus
sucessores e lança a completa insegurança no tráfico jurídico, pelas
implicações que esta questão tem nas relações patrimoniais.
Agrava
o problema o facto de terem desaparecido os livros dos registo civil e de o
registo civil português ter passado a ser processado numa base de dados que é
praticamente incontrolável e inacessivel, permitindo, por natureza, toda a
qualidade de fraudes.
A
informatização do registo civil, tal como foi feita pelas autoridades
portuguesas, deixou de permitir consultas
de sequências de registos.
Deixou
de ser possivel verificar os registos que foram feitos, em qualquer repartição
durante, por exemplo, determinado mês do ano.
Antes
da reforma era possivel a qualquer pessoa – porque o registo civil tem natureza
pública – consultar os livros de registo e verificar, v.g., se os registos de
casamento de portugueses celebrados no Rio de Janeiro tinha passado, todos, a
ser feitos sob o regime da separação de bens.
Isso deixou, agora de
ser possivel, podendo acontecer que o Consulado tenha implementado a asneira
anunciada no seu site sem que alguém se aperceba disso.
16/07/2012
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