domingo, 1 de maio de 2011

Em jeito de justificação

Todos os dias encontro portugueses ou estrangeiros que integram as suas famílias,  que repisam no pedido de que eu escreva o que lhes digo quando me consultam como advogado ou, pura e simplesmente, me encontram numa roda de amigos em que se fala de Portugal e dos portugueses.
Tenho resistido a fazê-lo, no essencial, porque a minha vida profissional já me obriga a escrever demais, ficando-me muito pouco tempo para mim próprio e para outros exercícios de escrita, que vão desde as cartas, estilo cada vez mais em desuso, até  outros escritos de reflexão, que publico nos jornais e nalguns espaços na Internet.
Sempre me questionei sobre tal insistência, tanto mais que a generalidade das questões que me colocam e sobre as quais afirmam o tal pedido, têm natureza jurídica e é próprios dos juristas falar com a convicção da certeza, que eu nem sempre tenho, porque, humildemente,  me revejo na ignorância dos outros, sobretudo quando me dão razão,  à qual, na generalidade das matérias, eu só cheguei à custa de alguma paciência e da convicção de que o sistema jurídico tem que dar uma resposta harmoniosa às questões que lhe são colocadas, não podendo ficar-se por uma resposta que, parecendo conforme com a lei, o desvirtua.
Por mor de uma série de razões, a minha atividade profissional vem sendo dedicada, sobretudo nos últimos dez anos, a questões que me são suscitadas por portugueses residentes no estrangeiro, a quem, vulgarmente, em Portugal, chamam de emigrantes.
A palavra, sendo embora conforme à realidade, teve, durante muitos anos um conteúdo que era a um tempo vexatório ou humilhante e discriminatório, razão pela qual hoje entrou desuso, quando é certo que Portugal voltou a recuperar, no princípio do século XXI, a sua vocação de país de emigração, pelo que a mesma deveria ter sido repintada para esta nova realidade.
Teremos oportunidade de refletir sobre a palavra, coloquialmente, à medida que este blogue se desenvolva.
O que importa dizer neste primeiro post é que resolvi aceder ao pedido e ir botando aqui (como ainda se diz fora de Portugal, usando uma palavra comum na minha infância) algumas reflexões e algumas ideias que, a fazer fé nas pessoas com quem tenho falado, poderão ser úteis a muita gente.
Um dos maiores problemas que afetam os portugueses residentes no estrangeiro em matéria de conselho juridico de direito português reside no facto de eles serem assistidos por advogados estrangeiros que, na maioria das situações, não conseguem  traduzir o sentido e o alcance das diferenças entre o direito local e o direito português, acabando, muitas vezes, por conduzir os consulentes a situações desesperadoras.
Estou absolutamente convencido de que não o fazem por mal e que, bem pelo contrário, até o fazem cheios de boas intenções. Mas que isso quase sempre dá asneira é uma verdade, que tenho verificado ao longo destes últimos vinte anos.
Estou inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil há mais de 15 anos, e permaneci no Brasil, até aqui fixar residência, durante longos períodos em cada ano. Ainda hoje me recuso a assinar um requerimento que seja para ser entregue numa repartição ou num tribunal brasileiro.
É que falamos a mesma língua mas em dois idiomas e temos sistemas jurídicos absolutamente diferentes, com institutos que, muitas vezes, têm o mesmo nome mas contéudos completamente diversos.
Por isso resolvemos, há  muitos anos, que as questões que envolvam a necessidade de análise de questões jurídicas atinentes a dois ordenamentos juridicos têm que ser equacionadas num permanente diálogo entre advogados dos dois países. É o que fazemos no Brasil, nos Estados Unidos e na Ìndia.
Estou convicto que é essa a razão principal de algum sucesso que temos obtido na arte de remendar as asneiras que a ousadia de alguns colegas provocou.
A diáspora envolve uma série de problemas que são da sua própria natureza e que têm que ser respondidos de forma muito ponderada, analisando todas as regras em jogo.
Ainda ontem fui procurado por uma senhora brasileira, a Vanessa, de 45 anos, casada com um português, Manuel, da mesma idade e mãe de três filhos portugueses.
Pretendia que eu lhe explicasse porque razão o marido, que nasceu no Brasil e que ela conheceu na escola, e os filhos viram reconhecida a nacionalidade portuguesa com tanta simplicidade e ela, casada com o primeiro há 25 anos e mãe dos referidos três filhos, não a pode adquirir se não fizer uma espécie de curso intensivo de usos e costumes de Portugal, para se sujeitar a uma prova de «ligaçãi efetiva à comunidade portuguesa».
Chocava-a, essencialmente, o facto de a ligação que o marido tem à comunidade portuguesa não ser menor do que a dela e de, por natureza, ela ter uma ligação mais forte que a dos filhos.
Trata-se, obviamente, de uma tamanha barbaridade. Mas não é nem uma barbaridade inocente nem uma barbaridade que se possa deixar passar, permitindo que fiquem incólumes as asneiras de que as pessoas são vítimas.
Falaremos disso num dos próximos posts.



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